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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ignorando o choro das crianças

Realengo e a infância desprotegida 


Até que você termine de ler o artigo, ou seja, em menos de dez minutos, pelo menos mais um adolescente ou criança terá sofrido violência 


A morte de uma criança representa um pedaço do futuro que se vai, rouba-nos a esperança. E, especialmente, o massacre de Realengo, no Rio, nos deixou chocados pela forma, pela frieza, pela mídia, pelo espetáculo. Porém, crianças e adolescentes têm morrido dia a dia, vítimas dos múltiplos tipos de violência que uma sociedade indiferente e desatenta pratica cotidianamente contra eles.
Há milhões de meninos e meninas, em salas de aula, nas ruas das cidades ou nas próprias casas, gritando por socorro neste momento, sem serem ouvidas ou vistas por microfones ou câmeras de TV.
Até que você termine de ler este artigo, ou seja, em menos de dez minutos, pelo menos mais uma criança ou adolescente terá sofrido violência, segundo dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
O massacre de Realengo nos deixou muitas interrogações.
Quem era Wellington Menezes de Oliveira, o ex-aluno que matou 12 crianças? Houve vários possíveis diagnósticos dados por especialistas -vítima de bullying, esquizofrênico, psicótico. O que me pareceu unânime até aqui foi nomeado pela linguagem popular: monstruosidade. Mas foi o tempo vivido numa sociedade que abusa que distorceu sua personalidade.
Como disse o intelectual alemão Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o comprimem".
Quando vejo uma tragédia tão assustadora, penso no tipo de opressão que pode causá-la. Sabemos que vítimas de violência, dependendo de suas constituições emocionais, podem se tornar abusadores quando adultos. Retornar à escola, para Wellington, foi voltar à infância em que sofreu abusos.
Se essa for a resposta, de nada valerá o desarmamento -nem que seja mais do que bem-vindo- ou a instalação de patéticos detectores de metal na porta das escolas.
Enfrentei dilema parecido à frente da CPI da Pedofilia, na Câmara Municipal de São Paulo: o de optar entre medidas "espetaculosas" (mas de pouco impacto) ou estudar a fundo a máquina pública organizada para proteção da infância.
Ao escolher a segunda opção, acertamos no alvo. Crianças vítimas de abusos não têm a quem recorrer, não encontram profissionais capacitados. Elas dependem de políticas precárias, estão alijadas de seus direitos.
Certamente, Wellington também não teve condições de se defender da infância violenta, assim como não ofereceu defesa a quem matou.
Mesmo que o argumento vencedor para explicar sua monstruosidade seja o da esquizofrenia, também faltou preparo aos profissionais de educação e de saúde que acompanharam o seu desenvolvimento para identificá-la e tratá-la.
Hoje é Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; ainda continuamos a oferecer um ambiente fraco para o desenvolvimento intelectual e hostil para o amadurecimento psicológico das crianças.
Mas, pior do que isso, seguimos ignorando seu choro.

Da Folha de São Paulo de 18/05/2011
CARLOS BEZERRA JR., 43, deputado estadual de São Paulo pelo PSDB e criador do 1º Observatório da Infância de São Paulo. Foi vereador da cidade de São Paulo e relator da CPI da Pedofilia na Câmara.


Quase 40% das crianças violentadas são vítimas do próprio pai, diz pesquisa

Em 88% dos casos de abuso infantil, agressor faz parte do círculo de convivência da criança

Uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP) revela que o combate e a prevenção de abusos sexuais a crianças precisam ser feitos, principalmente, dentro de casa. Segundo o estudo, quase quatro de cada dez crianças vítimas de abuso sexual foram agredidas pelo próprio pai e três, pelo padrasto.
Os resultados foram obtidos após a análise de 205 casos de abusos a crianças ocorridos de 2005 a 2009. As vítimas dessas agressões receberam acompanhamento psicológico no HC e tiveram seu perfil analisado pelo Programa de Psiquiatria e Psicologia Forense (Nufor) do hospital.
Segundo Antonio de Pádua Serafim, psicólogo e coordenador da pesquisa sobre as agressões, em 88% dos casos de abuso infantil, o agressor faz parte do círculo de convivência da criança. O pai (38% dos casos) é o agressor mais comum, seguido do padrasto (29%). O tio (15%) é o terceiro agressor mais comum, antes de algum primo (6%). Os vizinhos são 9% dos agressores e os desconhecidos são a minoria, representando 3% dos casos.
"É gritante o fato de o pai ser o maior agressor. Ele é justamente quem deveria proteger", afirmou Serafim, sobre os dados da pesquisa, que ainda serão publicados na Revista de Psiquiatria Clínica da Faculdade de Medicina da USP. "As crianças são vítimas dentro de casa."
A pesquisa coordenada pelo psicólogo mostra também que 63,4% das vítimas de abuso são meninas. Na maioria dos casos, a criança abusada, independentemente do sexo, tem menos de 10 anos de idade.
Para Serafim, até pela pouca idade das vítimas, o monitoramento das mães é fundamental para prevenção dos abusos. Muitas crianças agredidas não denunciam os agressores. Elas, porém, dão sinais de abusos em seu comportamento, segundo Serafim. Por isso, as mães devem estar atentas às mudanças de humor das crianças. "Uma mudança brusca é a maior sinalização de abuso", disse.

Da Agência Brasil n'O Estado de São Paulo 
http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,quase-40-das-criancas-violentadas-sao-vitimas-do-proprio-pai-diz-pesquisa,720968,0.htm

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