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segunda-feira, 28 de junho de 2010

NA HORA CERTA

Fazer política é fazer aquilo que eu gostaria que fizesse comigo, ou seja: criar meio à sobrevivência digna, igualdade de justiça, saúde pública que atenda as necessidades do cidadão plenamente, meio de transporte descente, moradia e segurança, entre outros.
Aproximam-se as eleições e pelo que se vê é o mesmo que se viu apregoarem os candidatos de oposição dizendo que quem está no poder não sabe governar e programa políticas erradas para o país e que somente eles sabem governar de forma pragmática.
Então, quando se fala em economia eles são os sabichões e que se tivessem com a máquina governamental nas mãos fariam muito melhor do que o atual governo.
Isto pode ser constatado na entrevista do ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves no programa “De frente com Gabi” exibido pelo SBT no dia 27 de junho de 2010, quando ele disse: “Podemos fazer muito mais”, mas quando perguntado onde o governo atual errou, ele enrola e não responde, volta à desastrosa política das privatizações, do desemprego em massa, das elevadas taxas de juros, das dividas externa e interna e o endividamento cada vez maior com o FMI e consequentemente a entrega do nosso patrimônio ao capital estrangeiro quando seu partido esteve à frente do governo na década de 1990.
Do atual governo nada se precisa dizer senão elogiá-lo. Fez tudo certo e hoje somos uma nação digna respeitada no mundo inteiro, com a atual política resistimos a várias crises mundiais e nos tornamos modelo econômico mais eficaz para os demais países.
Aécio Neves hoje é aquele jogador que está na hora errada no lugar errado. A política que desenvolveu seu partido na década de 1990 tirou toda possibilidade de qualquer liderança por aquela sigla ser eleita, para não dizer que foi um desastre total, dela só se salvou o Plano Real até hoje em vigor. Aécio é indiscutivelmente uma grande liderança política e respeitada por todos nós brasileiro, assim também como José Serra, mas precisam estar na hora certa, no lugar certo.
 Infelizmente vão ter de esperar um pouco mais para alcançar a Presidência da República, pois enquanto persistirem sustentando o discurso de seu partido vão continuar sendo eternamente elementos de oposição ao governo federal, discutindo nada mais, nada menos que o sexo dos anjos.

Texto de R J Cardoso, por e-mail. 

domingo, 27 de junho de 2010

Africa do Sul, um país de estupradores?

Um país de estupradores?
A África do Sul reage à epidemia de violência sexual

RESUMO Colonialismo e apartheid fizeram da África do Sul recordista em crimes sexuais, com 75,6 estupros por grupo de 100 mil habitantes. Após um período de negacionismo oficial e estigmatização, governo e sociedade reagem à epidemia, causada por uma conjunção de fatores sociais, políticos e culturais.

FÁBIO ZANINI
LAURA CAPRIGLIONE

"ELE SE LEMBRA, quando criança, de ler a palavra 'rape', estupro, em reportagens de jornal, tentando entender exatamente o que queria dizer, imaginando o que a letra p, sempre tão suave, estava fazendo no meio de uma palavra considerada tão horrenda que ninguém a falava em voz alta."
Assim como a letra p não parece se encaixar naquela palavra tão horrenda, o erudito David Lurie, professor de literatura que cai em desgraça, parece não se encaixar em seu país, dominado pela barbárie. Ele quer entender o que acontecera dias antes com sua filha Lucy, atacada por três homens no sítio em que vivia no interior da África do Sul.
Lurie é o personagem principal de "Desonra" (trad. José Rubens Siqueira, Companhia das Letras, 2000), o romance que deu ao sul-africano J.M. Coetzee (pronuncia-se "coutsía") seu segundo Booker Prize, o mais prestigioso das letras britânicas. O estupro da filha de Lurie simboliza ficcionalmente a onda de violência sexual que domina a África do Sul.
"Ele pensa em Byron", narra Coetzee, evocando o poeta romântico inglês da predileção de seu refinado personagem. "Entre as legiões de condessas e criadas em que Byron se enfiou havia sem dúvida aquelas que chamavam o ato de estupro. Mas sem dúvida nenhuma delas tinha por que temer terminar a sessão com a garganta cortada."

FORA DA FICÇÃO Mais de dez anos depois da publicação do romance de Coetzee, o temor de ser estuprada e terminar com a garganta cortada não é exatamente uma situação ficcional. A poucos dias do início da Copa do Mundo, a ministra sul-africana das Mulheres, Juventude e Pessoas com Deficiências, Noluthando Mayende-Sibiya, fez um discurso inflamado na Cidade do Cabo. O objetivo era um só: advertir que o governo não toleraria episódios de violência sexual durante o campeonato.
Militante histórica do partido de Nelson Mandela, o Congresso Nacional Africano (CNA), Mayende-Sibiya, anunciou uma série de medidas contra a violência sexual: iluminação e limpeza dos locais potencialmente perigosos, campanhas de vigilância comunitária, policiamento preventivo, e criação de centros para acolher e cuidar de vítimas.
Também foi anunciada a construção de um parque no local em que foi encontrado, em janeiro, o cadáver decomposto de Masego Kgomo, no distrito de Soshanguve, a 45 km de Pretória, a capital administrativa da África do Sul. A ministra prometeu uma estátua em homenagem a Masego.
Aos 10 anos, ela foi sequestrada, torturada, estuprada e assassinada por um grupo de jovens negros. Segundo a polícia, uma sangoma, curandeira tradicional, teria estimulado o ataque.

CAMPEÃO MUNDIAL Um relatório publicado pela ONU em 2002, com dados de 50 países, confere à África do Sul o vergonhoso título de campeão mundial de estupros. Logo depois vêm Canadá, EUA, Nova Zelândia e Suécia. É preciso cautela ao analisar esse tipo de dado: eles podem significar, por exemplo, que as mulheres desses países se sentem mais à vontade para dar parte na polícia. Os números sul-africanos, no entanto, são eloquentes.
Uma pesquisa patrocinada pelo próprio governo sul-africano mostrou que, em 2007, houve 75,6 estupros por grupo de 100 mil habitantes -cinco vezes o registrado na cidade de São Paulo. Nos 12 meses contados a partir de abril de 2008, foram mais de 70 mil queixas de crimes sexuais, aumento de 10,5% em relação ao período anterior.
Calcula-se que sejam muito mais, pois é comum que as vítimas de estupro se recusem a prestar queixa. Segundo a organização não-governamental Pessoas contra o Abuso de Mulheres, apenas um em cada nove estupros na África do Sul é denunciado à polícia. Entre eles, apenas 7% terminam em condenação.
Índices mais chocantes dão conta de um estupro a cada 30 segundos no país, ou 1,2 milhão de estupros por ano. Uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul, com base em entrevistas com 1.738 homens, aponta que um em cada quatro homens das Províncias de KwaZulu-Natal e do Cabo Oriental estaria envolvido em agressões sexuais, entendidas como sexo não consentido ou tentativa.

LENIÊNCIA OFICIAL Rachel Jewkes e Naeema Abrahams, pesquisadoras do Grupo de Gênero e Saúde do Conselho de Pesquisa Médica, em Pretória, tentam explicar por que, afinal, esse tipo de violência tornou-se uma epidemia na África do Sul.
Segundo elas, existe um caldo cultural permissivo -a polícia pouco prende, a Justiça pouco age e a sociedade ainda desconfia que a vítima deu margem para ter sido estuprada. As pesquisadoras também relatam rastros de corrupção na polícia: "Quando, apesar de tudo, as denúncias são feitas, não é raro a polícia, em troca de uns trocados, 'perder' documentos e laudos que comprovam o crime".
Em Gauteng, Província onde ficam Johannesburgo e Pretória, somente 17,1% das queixas de estupro resultam em julgamento -e apenas 6% em condenação. A leniência oficial termina por desencorajar novas denúncias, num círculo vicioso de impunidade.
É comum a própria polícia abandonar o caso, em geral, por deficiência na investigação. Em 78,4% das queixas, segundo o estudo "Tracking Justice" (Acompanhando a Justiça), feito a partir de boletins de ocorrência, o policial nem sequer pediu à vítima que descrevesse o agressor. Em 52,3% dos casos, o agressor jamais foi localizado.
Em entrevista à Folha, Bashir Hoosain, diretor-geral de Segurança e Proteção da Província do Cabo Oriental, admite que há problemas na coleta de provas e no trato com as vítimas. "Temos procurado aproximar a polícia da comunidade, trazendo pessoas para dentro das delegacias para debater conosco os problemas", diz ele. "O número de mulheres policiais também cresceu."

REAÇÃO ARMADA A alegada tolerância em relação ao crime, numa sociedade já violenta após décadas de regime colonial e apartheid, teria gerado uma cultura do estupro.
Qualquer turista em Johannesburgo se impressiona com as ameaçadoras placas fixadas na fachada das casas: invariavelmente, fala-se em "reação armada". O assalto a residências está entre os principais medos na cidade, e em 90% dos casos os bandidos aproveitam para estuprar as moradoras, segundo a polícia local.
A impressão de impunidade, dizem as pesquisadoras, também facilita o surgimento das gangues de jovens que estupram e matam, que ficaram tristemente famosas na Cidade do Cabo no final do século 20. Mais do que na vítima, o foco dos agressores está nos cúmplices. A observação do ato funciona como rito de iniciação à vida adulta.
Um diálogo entre David Lurie, o personagem de J.M. Coetzee, e sua filha, estuprada por dois homens e um jovem, sintetiza o funcionamento das gangues: "Um excitava o outro. Deve ser por isso que fazem juntos. Como cachorros em bando". O pai então pergunta: "E o terceiro, o rapaz?". Lucy responde: "Estava lá para aprender".
Assim como aconteceu com Lucy em "Desonra", grande parte dos estupros ocorre dentro de casa. Há dois anos, o estudo "Tracking Justice" mostrou que em 25% dos casos o responsável é parente, namorado ou ex-namorado da vítima. Casos como o de Letta Majas, 39, moradora da favela de Alexandra, em Johannesburgo, são comuns.
"Toda sexta, meu namorado ia direto do trabalho para o bar", conta ela. "Chegava em casa às 23h, querendo sexo. Um dia, eu recusei, porque não queria dividir a cama com um bêbado de cerveja. Ele respondeu que era porque eu estava saindo com outro homem. Me jogou contra uma parede, me chutou e me estuprou."
Em Johannesburgo, há dezenas de "casas seguras" para mulheres como Letta, que não podem voltar para casa -ou serão estupradas. Em Alexandra, a Bombani Safe House funciona atrás de muros altos e arame farpado. A preocupação é com a privacidade de suas "clientes". Mais do que um eufemismo, a nomenclatura é uma tentativa de reduzir o estigma da vítima.

CURANDEIRISMO Quando a epidemia de Aids explodiu na África do Sul, chegou-se a sugerir uma explicação "mágica": o surto de estupros de adolescentes seria ligado à crença de que o sexo com "virgens puras" poderia "limpar" o sangue de quem com elas se relacionasse. Rachel Jewkes e Naeema Abrahams têm uma explicação mais pragmática: "O mais provável é que os estupradores acreditem que, atacando uma virgem, tenham menos chances de contrair o vírus HIV".
Uma juíza que já atuou em vários casos baixou a voz para dizer à Folha em um restaurante de Johannesburgo: "Ninguém quer falar sobre isso, mas é terrível o envolvimento de curandeiros e curandeiras nesse tipo de crime. Ou praticam diretamente, ou pedem que outros o façam, a fim de aumentar seus supostos poderes". Segundo ela, o assunto virou tabu porque essas práticas religiosas pertencem à reclusa esfera da vida levada segundo os ditames tradicionais.
Até 2004, o então presidente sul-africano, Thabo Mbeki, da etnia xhosa, acusava de "racista" a estridência mundial a respeito da violência sexual no país. Em artigo publicado no site do Congresso Nacional Africano, ele escreveu: "Dizem que nossa herança africana na cultura, tradições e religiões faz de cada homem africano um potencial estuprador. É um ponto de vista que define todo o povo africano como selvagens bárbaros".
Mbeki investia contra a jornalista branca Charlene Smith -ex-militante antiapartheid, ela mesma estuprada em 1999 durante assalto a sua casa-, que escreveu no jornal "Sunday Independent" o artigo "O estupro tornou-se uma forma repugnante de vida em nossa terra".
Mbeki respondeu que, por trás das denúncias da epidemia de estupros na África do Sul, não existiria nada além da velha repetição dos estigmas que os colonizadores brancos e europeus sempre quiseram colar na pele negra. Segundo ele, o povo negro seria visto como um bando de "preguiçosos, mentirosos, de odor fétido, doentes, corruptos, violentos, amorais, sexualmente depravados, animalescos, selvagens -e estupradores".
A perigosa relação entre identidade nacional e barbárie já surgiu em outros contextos históricos e culturais. Depois do Holocausto, ainda há quem queira associar, por exemplo, os alemães a nazistas em potencial. Não há dúvida, porém, de que reuniram-se na Alemanha do Terceiro Reich condições específicas (algumas essencialmente culturais) que levaram o povo alemão à barbárie nazista. O que não significa afirmar que a barbárie esteja na identidade nacional alemã.
A ideia de "cada homem africano como um estuprador potencial" reaparece, com sinal invertido, no relatório "Qualquer um pode ser um estuprador", do Centro de Estudos da Violência e Reconciliação. O texto procura entender os fatores individuais, de relacionamento, comunitários e sociais que levam o país a se tornar campeão dos crimes sexuais.
Quando todos os fatores se conjugam, aí sim, "qualquer um pode se tornar um estuprador". Em qualquer país.

NEGACIONISMO O então presidente Mbeki não negou apenas o problema do estupro. Sua mais famosa negação foi em relação à proliferação da Aids no país, que não passaria de invenção da indústria farmacêutica.
Citando uma tese do pesquisador americano Peter Duesberg, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e da Academia Nacional de Ciências dos EUA, ele sustentava que o vírus HIV não seria o causador da AIDS. A deficiência imunológica característica da doença seria uma decorrência da fome e dos problemas crônicos da saúde sul-africana -herança maldita do apartheid.
Em novembro de 2008, sem políticas de prevenção ou tratamento, a África do Sul bateu nos 365 mil mortos por Aids, 60% dos quais mulheres. Hoje, o vírus está no sangue de mais de 5 milhões de sul-africanos (a população é de 48 milhões).
O hospital Baragwanath, no bairro de Soweto, em Johannesburgo, é um gigante com mais de 4 mil leitos, considerado o maior da África. Lá, ainda não se atendem casos de estupro que não sejam acompanhados por lesões físicas graves: "O estupro é um problema menor para ser tratado aqui", disse o relações-públicas à reportagem da Folha, na semana passada. Muitos profissionais de saúde no país não veem a violência sexual como uma questão de saúde pública, embora ela acompanhe os índices de infecção por HIV.
Nas macas encostadas nas paredes de tijolinhos do pronto-socorro viam-se apenas pacientes negros -vários deles esqueléticos, com as feridas características dos doentes de Aids sem tratamento.

SURPRESA E, no entanto, quando este texto é escrito, já se passaram 12 dias do início da Copa do Mundo. Todas as nove cidades-sede receberam 220 mil torcedores e turistas, fluxo várias vezes maior do que o habitual. E não se ouviu falar em onda de estupros.
A enfermeira Smangele Zulu, funcionária da clínica Zolach, em Soweto, especializada em primeiros socorros, arrisca uma hipótese: "Realmente está mudando o tratamento dispensado ao agressor e à vítima nos casos de estupro -mais rigor para o predador, mais acolhimento para a vítima". "Smangele" significa "surpresa" na língua tribal.
As políticas negacionistas em relação à Aids e ao estupro sofreram o seu maior revés numa trapalhada do zulu Jacob Zuma, presidente do país e polígamo (com três mulheres, 20 filhos e algumas namoradas). Em 2005, quando era o vice-presidente de Mbeki, Zuma foi acusado de estuprar uma mulher de 31 anos, soropositiva e amiga de longa data de sua família. Levado aos tribunais, Zuma disse que, sim, tivera relações sexuais com a mulher, mas por iniciativa dela. Acabou absolvido em 2006.
No tribunal, o promotor quis saber se Zuma havia usado preservativo. "Não." Perguntou-se então se o acusado não tivera medo de contrair o vírus da Aids. "Não, não havia risco, porque tomei uma ducha logo depois."
As organizações de prevenção à Aids e as feministas não demoraram a acusar Zuma de "irresponsável". Mas, depois do caso, viu-se que a necessidade do uso de preservativos jamais tinha sido tão discutida na África do Sul como naquela época.
Na disputa pelo controle do Congresso Nacional Africano, um fragilizado Zuma, às voltas com denúncias de corrupção, concordou em fazer uma composição política original: entregou 43% dos ministérios a mulheres, para conseguir o apoio de mais da metade do eleitorado sul-africano. O resultado imediato da manobra foram mulheres em situação de muito mais poder do que jamais na história sul-africana. E o fim do negacionismo.

REAÇÃO O enterro da menina Masego Kgomo, em 16 de janeiro, contou com a presença da ministra da Mulher, Noluthando Mayende-Sibiya, da vice-ministra do Desenvolvimento Econômico, Gwen Mahlangu Nkabinde, do secretário da Província de Gauteng para a Segurança da Comunidade, Khabisi Mosunkutu, e da prefeita da cidade de Tshwane, Gwen Ramokgopa.
No cemitério Zandfontein, logo depois do popular Solly Moholo cantar uma canção gospel, seguida de hinos religiosos entoados pelo coral da escola onde Masego estudava, o secretário Mosunkutu repreendeu a comunidade. "Por que as pessoas que viram a menina gritar não fizeram nada?", perguntou ele. "Como é possível que o dono do bar aonde os agressores levaram uma menina de 10 anos não tenha percebido nada de errado?"
A mudança veio quando Mosunkutu condenou os assassinatos relacionados ao curandeirismo: "Tem gente se escondendo atrás da nossa cultura para perpetrar atos criminosos. Precisamos deixar claro que a nossa cultura não tem nada a ver com pedaços de corpos humanos para rituais 'muti'", disse ele, referindo-se a "trabalhos" religiosos. "Isso não passa de criminalidade."
Corando, a prefeita de Tshwane, Gwen Ramokgopa, disse que é necessária a colaboração dos curandeiros tradicionais "corretos", para que sejam extirpados aqueles que cometem crimes em nome dos rituais "muti".
Não faltam tentativas canhestras de resolver o problema, como a campanha oficial "Masturbe-se, Não Estupre!", lançada em 2007, ou a "camisinha antiestupro", curioso invento da médica Sonnet Ehlers. O apetrecho é dotado de pequenas lâminas que supostamente ferem o agressor e inviabilizam a conclusão do ato - embora sua eficácia ainda esteja longe de ter sido comprovada.
O que está claro é que há uma reação institucional. Em junho de 2009, Mayende-Sibiya fez questão de levar sua solidariedade à família de Nadine Jantjies, menina de 7 anos que foi violentada e morta pelo tio, Manfred Swartz, que confessou o crime.
Na ocasião, a ministra Mayende-Sibiya disse: "Trago a mensagem de que este governo não tolerará mais crimes de violência sexual. E que trabalharemos para que a Justiça se faça da forma mais rápida possível."

"Um relatório publicado pela ONU em 2002, com dados de 50 países, confere à África do Sul o vergonhoso título de campeão mundial de estupros. Logo depois vêm Canadá, EUA, Nova Zelândia e Suécia"


Da Folha de São Paulo de 27/10/10

domingo, 20 de junho de 2010

Mensagem falsa sobre estrangeiros na Amazônia complica vida de acadêmica


Mensagem falsa sobre estrangeiros na Amazônia complica vida de acadêmica

Internauta que encaminhou e-mail já foi procurada até pela Polícia Federal.
Texto circula há mais de 5 anos e cita suposto domínio estrangeiro em RR.

Uma corrente de e-mail com informações equivocadas sobre a Amazônia circula há anos pela internet, confundindo internautas que repassam a mensagem e gerando problemas para dois acadêmicos de São Paulo, que aparecem como autores do texto em sua versão mais disseminada. A mensagem diz ser baseada no "relato de uma pessoa conhecida e séria", que esteve "recentemente" em Roraima.

Em linhas gerais, o relato da mensagem dá a entender que áreas de Roraima são controladas por estrangeiros, citando, entre outras coisas, reservas que teriam bandeiras americanas e inglesas hasteadas. O narrador chega à conclusão de que "os americanos vão acabar tomando a Amazônia". "Saio daqui com a quase certeza de que o Brasil irá diminuir de tamanho", diz outro trecho.


Foto: Eletronorte/Divulgação
Reserva dos Waimiri-Atroari, em Roraima, citada na falsa mensagem.
(Foto: Eletronorte/Divulgação)

Não existe referência exata sobre a data em que a corrente se espalhou na internet pela primeira vez, mas pessoas ouvidas peloGlobo Amazônia disseram ter visto o e-mail já em 2003 e 2004. O coordenador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Roraima, Vicente de Paulo, acredita que a corrente já é famosa há pelo menos dez anos. "Isso começou no início dos debates mais efetivos sobre a Raposa Serra do Sol", diz ele.


A terra indígena foi homologada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e gerou grande polêmica entre indígenas e arrozeiros do estado nos anos anteriores.

Parte da polêmica do e-mail é baseada em outra reserva indígena, a dos Waimiri-Atroari, na divisa entre os estados de Amazonas e Roraima. Segundo o texto, existe um trecho da rodovia BR-174, construída entre Manaus e Boa Vista, que passa por dentro da reserva e tem seu acesso bloqueado a brasileiros. "O acesso é livre aos americanos, europeus e japoneses", diz o e-mail.

Foto: Antonio Diniz/ Secom Roraima/ Divulgação

Operários finalizavam a construção do trecho da BR-174 que passa pela reserva Waimiri-Atroari em 2008. Hoje, a interrupção do tráfego de veículos à noite impede a morte de animais e ainda há um trecho de 50 quilômetros em condições precárias. (Foto: Antonio Diniz/ Secom Roraima/ Divulgação)  

A BR-174 corta um pedaço de terra de 125 quilômetros dentro da reserva Waimiri-Atroari e os indígenas restringem a circulação de alguns veículos durante a noite desde a inauguração da via. O caso é polêmico e o governo de Roraima tenta acabar com a existência do bloqueio na Justiça.

Mas não é verdade que brasileiros são impedidos de passar por ali, segundo Marcelo Cavalcante, um dos diretores da Associação Comunidade Waimiri Atroari. "Chamamos o bloqueio de interrupção seletiva. Todos os dias, das 18h30 às 5h30, os indígenas fecham a estrada para proteger os animais que têm hábito noturno e servem de alimento para a comunidade", diz ele.

Os indígenas permitem a passagem de ônibus, caminhões com material perecível, ambulância e autoridades que estejam a serviço, mas mesmo assim continuam a perder cerca de 70 animais por dia, segundo Cavalcante.


Autores do texto

Para a acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Mara Silva Alexandre Costa, o encaminhamento da mensagem recebida em 2004 significa uma dor de cabeça que dura até hoje, segundo ela. "Eu li e achei estranho, mas repassei sem conferir se era verdade. Minha assinatura eletrônica ficou no email e um mês depois pessoas começaram a pergunta se eu tinha escrito o texto", diz ela.

Desde então, o nome de Mara circula junto com a mensagem. De acordo com ela, diversas instituições já a procuraram para saber a origem da mensagem, entre elas a Funai, o Greenpeace, a Presidência e até a Polícia Federal. "Hoje não repasso mais nada e não tenho e-mail institucional. Sempre quis ir para a Amazônia por vontade de conhecer. Mas, com essa situação que se repete, fico até com medo de ir", explica Mara.

Já o pesquisador da Unicamp Celso Luiz Borges de Oliveira afirmou ter repassado o e-mail também, em 2004. "Já recebi mais de mil e-mails e telefonemas de pessoas me pedindo confirmação", diz ele.

Veja outros exemplos de informações falsas do e-mail esclarecidos pela reportagem com a ajuda de Vicente de Paulo, chefe do IBGE em Roraima:

1. Trecho do email: "Para começar o mais difícil de encontrar por aqui é roraimense, pra falar a verdade, acho que a proporção é de um roraimense para cada 10 pessoas é bem razoável."

IBGE: Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2008 do IBGE, 54,1% da população do estado nasceu em Roraima.

2. Trecho do email: "Aqui não existem muitos meios de sobrevivência, ou a pessoa é funcionária pública, e aqui quase todo mundo é, pois em Boa Vista se concentram todos os órgãos federais e estaduais de Roraima." 

IBGE: Segundo a Pnad de 2008, 16,5% das pessoas ocupadas em Roraima são funcionários públicos e estatutários.

3. Trecho do email: "Não existe indústria de qualquer tipo."

IBGE: A indústria de Roraima responde por 11,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, que em 2007 representou R$ 4,1 milhões.

4. Trecho do email:  "Pouco mais de 70% do território roraimense é demarcado como reserva indígena."

Segundo a Funai de Roraima, cerca de 46% da área total do estado é ocupada por terras indígenas. O estado tem pouco mais de 224 mil quilômetros quadrados.

sábado, 12 de junho de 2010

Incesto é 'comum' e não é denunciado

Incesto é 'comum' e não é denunciado, dizem especialistas
G1 ouviu estudiosos sobre caso de jovem que teve 7 filhos do pai no MA.
Somente isolamento e falta de condições sociais não levam ao incesto.



Luciana Rossetto do G1, em São Paulo

Pescador é chamado de avó pelos 'filhos-netos' em PiedadePescador teve sete filhos com a própria filha
(Foto: Divulgação/Polícia Civil do Maranhão)
Isolamento, falta de acesso à educação e condições sociais precárias. A soma de todos esses fatores poderia explicar o caso do pescador que teve sete filhos com a própria filha no povoado de Extremo, em Pinheiro (MA). No entanto, especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que tudo isso não justifica o abuso, mas colabora para que ele ocorra. Eles chegam a afirmar que em algumas regiões do interior do Brasil é um costume os homens iniciarem sexualmente as filhas.
O psiquiatra José Raimundo da Silva Lippi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP), explica que somente o isolamento não leva a uma conduta incestuosa, mas a falta de contato com a sociedade colaborou para o incesto.
“Dentro de cada pai incestuoso, existe algo não resolvido, que o faz buscar a solução para seu desejo sexual com uma criança ou o próprio filho. Ele age ainda como uma pessoa primitiva em termos de desenvolvimento afetivo”, afirmou.
Dentro de cada pai incestuoso existe algo não resolvido, que o faz buscar a solução para seu desejo sexual com uma criança ou o próprio filho"
José Raimundo da Silva Lippi, psiquiatra
De acordo com o médico, o incesto não é uma questão biológica, mas psicológica e predominantemente cultural. Ele ressalta que há semelhanças entre o pescador brasileiro e o engenheiro austríaco, que também abusou e teve filhos com a filha, que era mantida em cárcere privado, apesar do nível socioeconômico dos dois ser bem diferente. O caso do austríaco veio à tona em abril de 2008.
“Todos nascemos instintivos, mas conforme vamos nos desenvolvendo, criamos estruturas que nos permitem interromper pensamentos que ocorrem. Não é proibido um pai ter desejo ao ver uma filha, mas o pai com desenvolvimento afetivo adequado tira o pensamento da cabeça e não concretiza o ato. Já o pai instintivo vê a filha como objeto sexual e não tem essa lei interior que o ajuda a conter esses impulsos. O lugar ermo pode ter dificultado o mecanismo de contenção interior, então ele se sentiu mais livre para isso, sem regras sociais que o impedissem”, disse.
Pescador teve sete filhos com filha de 28 anos mantida em cárcere privado
Casa onde pescador vivia tem dois cômodos e fica afastada do Centro de Pinheiro
 (Foto: Divulgação/Polícia Civil do Maranhão)

A cientista social Sandra Nascimento, pesquisadora do programa de Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), destaca que o pescador falou com naturalidade sobre o incesto após a prisão. “O fato de ele viver isolado, sem controle, contribuiu para o que aconteceu. Até pelas condições de miséria em que vivia, ele não tem dimensão social do horror que causou com o incesto. Talvez, ele tenha considerado que é algo natural para todos os homens, que desejam e têm as mulheres”, explicou.
Sandra também vê aspectos semelhantes entre os casos do Brasil e da Áustria. “Tanto no caso da Áustria quanto no brasileiro, há uma relação de poder muito forte. Existe a questão de querer dominar a filha, que é vista como propriedade. Eles quiseram possuir as meninas e subjugá-las aos seus domínios. Nós nos horrorizamos, porque, pelas normas, pai é proteção”, disse.
Existe a questão de querer dominar a filha, que é vista como propriedade"
Sandra Nascimento, cientista social
O antropólogo José Rogério Lopes, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), concorda que o isolamento não é uma explicação. “Em quase todas as culturas é proibido ter relação dentro de um grupo íntimo de parentesco. Isso é importante, inclusive, para forçar as pessoas a buscar alternativas e constituir outras relações que ampliam o núcleo de convivência. O indivíduo não nasceu no isolamento, portanto, ele já tinha conhecimento dessa proibição, que foi estabelecida antes.”
De acordo com o antropólogo, o incesto não é aceito na maioria das culturas. “Os casos não são legitimados e, quando ocorrem, os indivíduos são penalizados. Agora, existem relatos de homens que não têm possibilidade de buscar uma companheira para estabelecer uma relação conjugal que seja fora da própria família. Isso faz com que, muitas vezes, sujeitos pratiquem atos incestuosos”, disse.
Em quase todas as culturas é proibido ter relação dentro de um grupo íntimo de parentesco"
José Rogério Lopes, antropólogo
Casos ocorrem com frequência
De acordo com Lippi, em algumas regiões do interior do Brasil, é um costume os homens iniciarem sexualmente as filhas. “Existe a idéia de que o pai sabe mais sobre as coisas do mundo. Em determinada região do Tocantins, por exemplo, há relatos de meninas que passam por isso, porque é algo visto como ‘obrigação de pai’.”
O médico conta que assim surgiram os filhos dos botos, que seriam, na verdade, fruto do relacionamento incestuoso entre pais e filhas. “Criou-se uma lenda para tirar a culpa dos pais e justificar a gravidez das jovens. Então, surgiu a história de que as crianças são filhas de um boto”, diz.
Sandra também relata que esse tipo de caso é comum no interior do Maranhão. “Pais dizem que eles vão ter as filhas primeiro, porque elas não serão de outro homem sem ser primeiro deles. É uma dominação de gênero. O homem quer ter a posse da mulher. A vítima se sente ameaçada e, ao mesmo tempo, não consegue reagir contra o próprio pai. Acontece muito, mas é algo que tem pouca visibilidade.”
Criou-se uma lenda para tirar a culpa dos pais e justificar a gravidez das jovens. Então, surgiu a história de que as crianças são filhas de um boto"
José Raimundo da Silva Lippi, psiquiatra
Lopes lembra que essas atitudes também são comuns na Região Amazônica. “É possível encontrar, entre a população ribeirinha, famílias em que os pais iniciam sexualmente as filhas. Não constituem família ou chegam a ter filhos com elas, mas ocorre a relação sexual”, diz.
Denúncias
O psiquiatra acredita que, quando situações como essa são descobertas, a população tem um incentivo maior para denunciar casos de abuso. “A tendência é que a comunidade não permita mais. Se isso chega à comunidade como algo proibido, então a cultura do local pode mudar”, diz.