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segunda-feira, 25 de junho de 2012

A luta contra a criminalidade

Não se pode pensar em segurança pública sem as vertentes de educação, inclusão social, políticas para a juventude, Previdência Social e políticas compensatórias.

Mas é inegável que segurança se tornou o mais premente desafio de política pública do país, em nível federal, estadual e municipal. 

O principal indicador de violência - taxa de homicídios - coloca o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Há estudiosos da matéria que consideram que o país já teria ultrapassado a taxa de não-retorno, com seus índices atuais de violência.

O grande desafio é como articular as diversas esferas de poder no combate à essa epidemia.

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De uns tempos para cá o governo federalassumiu o protagonismo, com a criação do Pronasci - que repassa recursos para os estados mediante certas condicionantes.

Segundo o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o Ministério não pode mais ser mero repassador de recursos, mas assumir um protagonismo maior. Esta é a lógica por trás do "Programa de Redução da Criminalidade Violenta", apresentado antes de ontem à presidente Dilma Rousseff. 

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Um colóquio inicial com especialista detectou a impunidade como uma das principais causas da violência. Os estudos demonstraram que a inclusão social no nordeste não reduziu os índices de criminalidade. O diagnóstico serviu de base para oprograma.

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Primeiro, juntou as experiências mais relevantes - indo beber, principalmente, nas experiências de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo.

Depois, montou um pacote de medidas e equipamentos e escolheu o estado-símbolo da violência - Alagoas - para a implementação de um projeto-piloto.

Internacionalmente, uma taxa adequada é de 10 mortos por 100 mil habitantes. O Brasil está acima de 20; Alagoas, acima de 70 - 50% dos quais em duas cidades, Maceio e Arapiraca.

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A primeira parte do pacote será o do fortalecimento da investigação criminal, a chamada perícia técnica. Alagoas recebeu equipamentos (cromatógrafo, microcomparador balístico, luz  forense, entre outros), cursos especializados e, em contrapartida, abriu concursos para a polícia civil, construiu um prédio de três andares para abrigar o Departamento de Homicídios (antiga Delegacia de Homicídios).

O modelo adotado foi o do Pacto pela Vida, de Pernambuco, que em dois anos logrou uma redução da criminalidade mais expressiva do que em Bogotá e Nova York, diz Cardozo.

Juntou-se Secretaria Segurança Pública, a da Saúde (paracombate ao crack), a do Desenvolvimento Social e o próprio governador Teotonio Vilella, diretamente envolvido em reuniões mensais.

Os aspectos criminais ficaram com a Segurança Pública, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública.

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O segundo eixo foi a política de fortalecimento do policiamento ostensivo e de proximidade. Haverá intervenções pontuais da Força Nacionl de Segurança Pública. Mas o esforço maior será o do Estado, através da abertura de concurso para a Polícia Civil, montagem de sistemas de webcams e monitoramento das regiões mais violentas.

O terceiro eixo será o da destruição das armas de fogo, em uma campanha do desarmamento.

De Luis Nassif na Coluna Econômica - 21/06/2012


Sexo com criança é estupro, decide o Supremo



STF veta brecha na interpretação de estupro 


Por unanimidade, a 1ª Turma acompanha o voto da ministra Rosa Weber; decisão contrasta com a absolvição, pelo STJ, de acusado de estuprar meninas de doze anos


O Supremo Tribunal Federal decidiu que a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade é estupro, e não pode ser qualificado como algo diferente.

Esse entendimento foi reafirmado por unanimidade pela 1ª Turma do STF, em maio último, ao acompanhar o voto da relatora, ministra Rosa Weber.

Estava em julgamento um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um paranaense condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, sob acusação de estupro e atentado violento ao pudor contra uma enteada, então com dez anos de idade. Segundo a denúncia, o abuso sexual ocorreu diariamente ao longo de quase dois anos, em 2003 e 2004.

Segundo o voto da relatora, é pacífico o entendimento no Supremo quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, o que impede a pretensa relativização da violência presumida.

“Não é possível qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz”, afirma o acórdão do STF, publicado no último dia 12 (*).

Essa decisão contrasta com a absolvição pelo Superior Tribunal de Justiça, em março último, de um homem acusado de cometer estupro de adolescentes de doze anos. A Terceira Seção do STJ entendeu, na ocasião, que a presunção de violência não seria absoluta, pois as meninas eram prostitutas. O caso ainda está em julgamento pelo STJ, com o oferecimento de recurso [embargos de declaração].

O entendimento do STJ foi de que a violência no crime de estupro era relativa –dependia de cada caso– e não absoluta. Ou seja, poderia ser questionada mesmo em se tratando de menores.

A decisão do STJ foi criticada, entre outros, pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que viu “tolerância com essa prática nefasta” e uma afronta ao princípio da proteção absoluta garantido a crianças e adolescentes.

Em nota, o STJ afirmou na ocasião que a Corte “apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima”.

Segundo a relatora do caso no STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado –no caso, a liberdade sexual.

Na época das relações sexuais, o Código Penal considerava que o crime deveria ser cometido mediante violência, e que ela era presumida quando se tratava de vítimas menores de 14 anos. O artigo foi revogado em 2009 com a mudança da lei –o texto atual não cita a violência.

“A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, afirmou o acórdão do STJ.

A decisão do Supremo reitera sua jurisprudência quanto a ser absoluta a presunção de violência nesses casos.

Texto de Frederico Vasconcelos
http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2012/06/25/sexo-com-crianca-e-estupro-decide-o-supremo/




(*) HC N. 105.558-PR

RELATORA: MIN. ROSA WEBER

HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09.  CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORAÇÃO MÁXIMA DA PENA. COMPATIBILIDADE COM O NÚMERO DE CRIMES COMETIDOS. PRECEDENTES.

1. O habeas corpus não se presta ao exame e à valoração aprofundada das provas, não sendo viável reavaliar o conjunto probatório que levou à condenação criminal do paciente por crimes de estupro e atentado violento ao pudor.

2. O entendimento desta Corte pacificou-se quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida.

3. Não é possível qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz.

4. O aumento da pena devido à continuidade delitiva varia conforme o número de delitos. Na espécie, consignado nas instâncias ordinárias terem os crimes sido cometidos diariamente ao longo de quase dois anos, autorizada a majoração máxima.



domingo, 24 de junho de 2012

O Ministério Público deve fazer investigações criminais


Quem quer calar o MP?

O país assiste bestificado a um debate corporativo e kaftiano sobre quem pode fazer e quem manda na investigação criminal. O Parlamento discute a PEC 37, que torna a investigação exclusividade da polícia.
Paralelamente, a criminalidade aumenta, torna-se mais violenta e o crime organizado avança, contaminando as estruturas estatais, atingindo o Executivo, Judiciário e Legislativo. A pergunta que poucos fazem é sobre a eficiência e a competência do Estado contra a criminalidade.
Há quem defenda o fim dessas investigações, para gáudio dos criminosos. Em polo oposto está quem advoga a possibilidade do Ministério Público realizar ou assumir a investigação criminal. Ninguém fala em dar qualidade, rapidez e eficiência ao inquérito, com melhores salários e garantias ao delegado de policia.
Ora, a Constituição é clara no seu artigo 144, deferindo à Policia Judiciária a direção do inquérito policial, sob a presidência de um delegado.
Por outro lado, a mesma Constituição, no artigo 129, atribui ao Ministério Público o exercício soberano da ação penal pública e o controle externo da atividade policial, sendo que o Código de Processo Penal permite que a Promotoria ofereça denúncia sem inquérito -ou seja, que realize investigações, colhendo documentos para a ação penal.
Na verdade, o que a Constituição não proíbe, e estatuto processual e Lei Orgânica do Ministério Público permitem, é o direito do Ministério Público coletar provas fora do inquérito policial para elucidar o crime.
Em alguns casos famosos e históricos, como no episódio do Esquadrão da Morte, se não fosse a ação de promotores destemidos, sob o comando de Hélio Bicudo, em plena ditadura militar, os crimes da polícia teriam permanecido impunes.
Os crimes iam desde de homicídio qualificado até tráfico de entorpecentes, sob o comando do lendário delegado Fleury. Não esqueçamos que mais de 200 pessoas foram mortas e a matança só foi interrompida graças às investigações criminais feitas pelos promotores, com o inestimável apoio do juiz Nelson Fonseca.
No Espírito Santo, igualmente o Esquadrão da Morte e o crime organizado na década de 1990 começaram a ser desbaratados graças a uma denúncia feita por um desembargador ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça, que fez as investigações e diligências e conseguiu apurar as responsabilidades.
Igualmente, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a Receita Federal e a Previdência Social realizaram investigações que têm esclarecido crimes contra a administração publica.
Como se vê, a polícia tem o monopólio da direção do inquérito, mas não da investigação.
É verdade que ambas as instituições incomodam, como demonstram investigações recentes realizadas pela Policia Federal e pelos promotores, principalmente quando se aproximam dos donos do poder.
Mas a atuação desses destemidos funcionários deve ser objeto de aplauso e não de condenação, sendo que os abusos e excessos devem alvo de punição pela corregedorias dos organismos envolvidos, com punição dos responsáveis.
Se há abusos, eles devem ser punidos, instituindo-se inclusive o controle externo do Ministério Público. Mas calar a Promotoria é solução perigosa para o país e um retrocesso que certamente o STF não adotará, pois receberia aplausos somente da criminalidade organizada.

Texto de João Benedicto de Azevedo Marques
, 73, procurador de justiça aposentado, é advogado. Foi secretário nacional de Justiça (2002, governo FHC)
Na Folha de São Paulo de 24/06/2012

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Novo Código Penal exagera na criação de mais crimes



Entrevista - Janaina Conceição Paschoal

Novo Código Penal exagera na criação de mais crimes

PARA ADVOGADA, AS MUDANÇAS SUGERIDAS POR COMISSÃO DE JURISTAS AMPLIAM o PODER DO ESTADO NA VIDA DO CIDADÃO, PUNEM QUEM NÃO FAZ O BEM E TÊM BANDEIRAS DO 'POLITICAMENTE CORRETO'


A advogada Janaina Conceição Paschoal, 37, identifica nas propostas da Comissão de Reforma do Código Penal reflexos de um movimento doutrinário internacional que trata como crime "o não fazer".
"São decisões judiciais em que as pessoas não são punidas criminalmente por terem feito algo ruim, mas porque não fizeram um bem", diz.
Ela critica a "histeria de determinadas bandeiras da intelectualidade esquerdista", que pretendem resolver com o direito penal comportamentos que poderiam ser coibidos com multas ou orientação da família e da escola.
É o caso das propostas de criminalização do bullying, do abandono de animais, de casos de desrespeito ao ambiente e de discriminações.

Veja os principais trechos da entrevista.

Folha - Como a senhora avalia o perfil da Comissão de Reforma do Código Penal?
Janaina Paschoal - O problema não é com o perfil da comissão. São profissionais capazes. Eu entendia que não era hora de mexer no código, porque a gente está nessa histeria com determinadas bandeiras. Por exemplo, o sujeito que corta uma árvore que pode cair na cabeça das crianças na rua responde a um inquérito por crime ambiental. Não tem cabimento.
A comissão tem conseguido brecar essa sanha punitiva?
As propostas infelizmente estão representando o que é a intelectualidade brasileira. A comissão acabou de colocar o crime de racismo entre os crimes hediondos. Eu não consigo ver isso de outra forma senão como bandeira do "politicamente correto".
Quais distorções a senhora identifica na academia?
Na academia, a mesma pessoa que tem um discurso libertário, de menor intervenção do direito penal -por exemplo, em casos de crime contra o patrimônio, mesmo aqueles com violência ou grave ameaça, casos de tráfico, casos de aborto, que acham que tem que legalizar completamente- têm discurso extremamente endurecedor, de intervenção estatal em searas que poderiam ser trabalhadas por outros campos.
Essas questões seriam resolvidas sem o Código Penal?
Nos últimos 15 anos, todos diziam que não se pode fazer lei penal com base no clamor público. Quando há um sequestro, todo mundo quer pena de morte para o sequestrador. Tem casos que a gente tem mesmo que prender. Mas uma vez que você manda alguém para a prisão, você está, infelizmente, quase desistindo dessa pessoa. A prisão desestrutura. A gente tem que definir quais são esses casos, e não ficar alargando isso.
E as penas alternativas?
A medida alternativa deveria ser para os casos em que você sempre mandou para a prisão. Mas estão criando outros casos, o que conturba a justiça penal com matérias que não são dela. E as pessoas vão aplaudindo, mas se está perdendo liberdade.
Quais as propostas mais polêmicas da intelectualidade?
Discriminação, bullying, meio ambiente, abandono e maus-tratos de animais. A gente tem estima pelos animais. É importante ensinar as crianças a respeitar a vida. Mas não se pode punir mais gravemente quem abandona um animal do que alguém que abandona uma pessoa.
A gente percebe que vai acontecendo uma relativização em relação àqueles valores que são mais importantes. É incoerente advogar o abrandamento nesses crimes clássicos e sustentar um acirramento em situações de controle de como cada um deve ser.
Como a senhora vê a intervenção do Estado nessa área?
A intelectualidade tirou Deus e pôs o Estado. Não obstante diga que não gosta da intervenção do Estado, não gosta em determinadas áreas: aborto, drogas, sexualidade. Em outras áreas, adora a intervenção do Estado. O Estado tem que dizer qual é a idade que seu filho entra na escola, como educar o seu filho, como se comportar...
É papel da mãe observar se seu filho está sofrendo ou cometendo bullying. Você acha que é melhor prender ou intervir com uma conversa, com uma análise?
O que a senhora propõe em relação à discriminação?
Seria muito mais efetiva uma política de sensibilização dos pais e dos educadores do que criar um monte de crimes. É fácil você encontrar alguém que defenda arduamente que o racismo é crime, que o racismo é hediondo...
A senhora é favorável às cotas?
Eu sou muito pautada na meritocracia. Por que sou defensora das cotas? Não é por uma questão de compensar a escravidão. Na Faculdade de Direito da USP praticamente não há negros. Se abrirmos um espacinho hoje, daqui a dez anos teremos mais negros ocupando cargos de destaque, com remuneração significativa. Tem muito mais efeito do que sair prendendo um colega que, no jogo, chama o outro de "negão".
Em que medida essa pressão por leis mais duras resulta da impunidade?
A gente nota uma tendência de inflar as denúncias. Na cabeça do procurador, ele diz: "Vamos encher porque alguma coisa fica". Outra estratégia: colocar um monte de gente numa investigação, pessoas que não têm nada a ver, porque eles vão ficar apavorados e vão entregar os outros. Gasta-se tempo, dinheiro público e não muda nada.
A gente tem visitado estabelecimentos prisionais. Fico surpresa de constatar quanta gente está presa por furto. Hoje já existe a previsão de medidas cautelares alternativas à prisão. Quando a fiança é arbitrada, é impagável. Aí, o cidadão fica preso por um furto ridículo.
O que fazer com quem furta?
Não vamos deixar de punir o furto. Mas já existe lei possibilitando deixar essa pessoa fora do sistema prisional. Há um déficit grande de vagas prisionais. E você ocupa vagas com pessoas que não precisariam estar ali.
E sobre o ambiente?
Eu conheço gente processada porque tapou um buraco de uma praça sem autorização, porque cortou uma árvore sem autorização. Cobra uma multa, não leva o cidadão para a justiça criminal. As pessoas aplaudem a lei sobre os crimes ambientais. Essa lei é um lixo.
Quais seriam as propostas menos invasivas para não criminalizar esses atos?
No caso de abandonar animal, poderia haver multas. Multa-se tanto no trânsito... No caso do bullying, uma campanha de responsabilização, não criminalmente, para que as pessoas assumam as suas responsabilidades. Se você percebe que seu filho está destratando coleguinhas, é seu papel de educador dizer: "Meu filho, você não tem esse direito". Mas os pais se omitem, a escola se omite. Cada um deve ser responsável.
Frederico Vasconcelos entrevistou a advogada e professora Janaina Conceição Paschoal, na Folha de São Paulo de 18/06/2012

domingo, 10 de junho de 2012

O "fim da euforia" com o Brasil


Mesmo com a preguiça de fazer grandes mudanças, país pode surpreender os mal-humorados de turno
ESTÁ NA MODA dizer que passou a "euforia com o Brasil", euforia que se tornara forte entre 2008 e 2010. A bem da verdade, não há euforia nem bom humor em quase lugar algum do planeta, nem mesmo em relação a China ou Índia.
Também se tornou moda dizer que é quando a maré baixa que se nota quem estava nadando nu.
Mas quão pelados estamos? O que a euforia do fim da década passada ou a depressão de humor neste primeiro biênio dilmiano dizem sobre nossos problemas reais?
Parte do azedume com o Brasil é "moda ao contrário". Deriva do fato de que o país deixou de render dinheiro fácil aos rapazes do mercado financeiro. Com juro a mais de 10% e câmbio se valorizando sem parar, a vida era risonha e franca.
Com juro caindo a 8%, desvalorização do real, variação excessiva do câmbio e imposto pesado para tirar dinheiro daqui, perdemos a graça. Como os rapazes do mercado fazem o cotidiano da mídia mundial, ficamos mal na foto.
Crescer menos obviamente não ajuda. Passamos de 4,5% ao ano na segunda metade da década passada para os prováveis 2,5% do primeiro biênio de Dilma Rousseff. Intervir demais em mercados (finanças) e empresas (Petrobras, "campeãs nacionais") também não pegou bem. O governo ser incapaz de investir é outro problema.
Era ilusão imaginarmos que podíamos correr a 6%. Mas será tão difícil voltar a algo perto dos 4%?
Economistas-padrão, que quase todos torcem o nariz para as políticas lulo-dilmianas, dizem que se esgotou o "modelo petista". Nem "modelo" houve, mas a crítica observa que ele se valeu: 1) em parte dos benefícios das reformas feitas nos anos FHC, que renderam frutos um pouco mais tarde; 2) do aumento de renda derivado da alta de preço das nossas exportações principais ("efeito China"); 3) do rapidíssimo aumento do crédito, que, enfim, criou uma ilusão sobre as possibilidades do aumento do consumo, desfeitas agora com a alta da inadimplência, por exemplo.
É tudo em parte verdade.
Os críticos esquecem outros aspectos do "modelo", como o aumento do mercado doméstico, em parte impulsionado por transferências sociais ("Bolsas") e aumentos do salário mínimo, e a estabilização das contas externas (com a acumulação de reservas em moeda forte). Enfim, esquecem que o país mudou de patamar. É menos faminto, é social e politicamente mais estável e não quebra a cada tumulto mundial.
Faltam "reformas", "mudanças estruturais", dizem. É verdade, seja lá qual for o conteúdo que se dê ao jargão. Mas trata-se de coisa difícil de fazer, política e tecnicamente: reduzir impostos e dívida pública (não dá para fazer os dois ao mesmo tempo), melhorar a educação (coisa para uma década, com sorte, engenho e arte), trocar gasto de custeio por investimento no governo etc., para ficar no mais óbvio.
Dados a nossa tendência à ignorância (não gostamos de estudar ou de inovação) e gosto por jeitinhos, "transições transadas" e arranjos de meias medidas, é de fato difícil pensar em arrancadas. Mas destravar uns investimentos públicos, dar um tempo no aumento de salário e renda via mão pesada do Estado e simplificar burocracias já podem nos fazer crescer um pouco mais de 3,5% ou 4%. Não é lá tão difícil.

De Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo de 10/06/2012

Direito penal politicamente correto


Código Penal para acadêmicos: rígido com o abandono de cães, não com o aborto. Homicídio prescreve; racismo não. Drogas? Caso de saúde. Bullying? Polícia

Penalistas sempre denunciaram o fato de o legislador criar crimes para atender o clamor público. Mas várias das propostas para um novo Código Penal vêm para atender aos reclamos da intelectualidade.
Por um lado, a comissão diminui a pena daquele que realiza um aborto na gestante e alarga consideravelmente as hipóteses em que se torna lícita tal prática. Por outro, a mesma comissão propõe pena de um a quatro anos para quem abandona um cachorro na rua.
Isso sendo que, atualmente, o abandono de incapaz está sujeito a uma pena de seis meses a três anos.
Não é raro, no ambiente acadêmico, encontrar pessoas que defendem o aborto como política de saúde pública e, ao mesmo tempo, entendem ser crime grave usar ratos como cobaias de laboratório. É uma inversão de valores intrigante.
A questão da discriminação é outro exemplo. Alarga-se significativamente a incidência do direito penal nessa seara, quando, com todo o respeito, ações afirmativas seriam muito mais eficazes.
Nesse sentido, cumpre destacar que já não há qualquer proporcionalidade no fato de o racismo ser imprescritível enquanto o homicídio prescreve. E todos aceitam tal situação como normal...
Foi aplaudida também a proposta de criminalização do bullying e do tal stalking (perseguição obsessiva), pois é inadmissível alguém ser humilhado.
Os juristas se esquecem de que um pouco de agressividade faz parte do processo de amadurecimento -e que ensinar a criança e o adolescente a respeitarem o outro é papel da família e dos professores, não da justiça penal.
Ademais, os atos de violência que resultam em morte ou lesão grave já são crimes onde quer que ocorram, inclusive na escola.
Criminalizar o bullying retirará dos pais e dos professores a sua responsabilidade. Para que dialogar? Por que tentar integrar? Basta chamar a polícia.
A esse respeito, é curioso constatar que o mesmo grupo que defende que as drogas são uma questão de saúde traz propostas que implicam dizer que falta de educação é um problema policial.
Paulatinamente, abrimos mão de nossos poderes e deveres em prol de um Estado interventor, que nos dita como ser, pensar e falar. É o império da padronização.
Também é surpreendente a notícia de que a comissão preverá o acordo como solução célere do processo, principalmente pelo fato de, ao ser anunciada a medida, ter sido comemorado o rompimento com o devido processo legal, uma das maiores conquistas democráticas.
Quem conhece a realidade forense sabe que não existe qualquer paridade entre as partes. Como na transação penal, os acordos serão impostos -com a conivência de muitos defensores.
Mesmo que decidamos adotar o instituto da barganha -que, aliás, tem natureza também processual- é necessário, primeiro, um maior amadurecimento.
Por mais que a legislação atual seja falha, não pode ser reformulada a toque de caixa. São Tomás de Aquino já ensinava que só é justificável mudar a lei quando os bônus são maiores que os ônus.
Não é o que se anuncia. Não podemos transformar a lei penal, braço mais forte do Estado, em uma sucessão de bandeiras do politicamente correto. Há medidas menos invasivas e mais efetivas para a concretização de uma sociedade mais solidária.

Texto de Janaina Conceição Paschoal37, doutora em direito penal pela USP, é advogada e professora livre-docente da Faculdade de Direito da USP
Na Folha de São Paulo de 10/06/2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Corrupção na Europa contribuiu para a crise do EURO


Corrupção contribuiu para crise em zona do euro, diz Transparência Internacional

A corrupção e a ineficácia dos sistemas públicos na Grécia, na Espanha, na Itália e em Portugal contribuíram para a crise fiscal que enfrentam atualmente esses países, afirma um relatório da organização Transparência Internacional (TI), publicado nesta quarta-feira (6) em Bruxelas.

O estudo "Dinheiro, política, poder: os riscos da corrupção na Europa" investigou mais de 300 instituições de 25 países do continente e concluiu que "nenhum deles sai dessa revisão de integridade com uma ficha de saúde completamente limpa".

Grécia, Espanha, Itália e Portugal lideram a lista dos que apresentam "sérias deficiências", como falta de transparência, ineficácia e abusos de autoridade "enraizados" na administração pública, que carece de mecanismos e vontade política para prevenir e punir casos de corrupção, de acordo com o relatório.

Por trás da crise

Segundo a TI, cerca de 2% dos funcionários públicos gregos já foram submetidos a um procedimento disciplinar, porcentagem inferior ao número de denúncias de corrupção existentes no país.

Em Portugal menos de 5% dos casos de corrupção levados à Justiça terminam com uma condenação.

"A relação entre a corrupção e a atual crise financeira e fiscal nesses países (junto com Espanha e Itália) já não pode ser ignorada", afirma o relatório, que ressalta que "não são apenas as tradicionais formas de corrupção, como o suborno, que estão relacionadas a um pobre desempenho macroeconômico".

Os quatro países que estão no centro da crise da zona do euro também sofrem com práticas consideradas legais mas não éticas, como tráfico de influência e uma relação muito estreita entre o poder público e o setor privado, derivada da falta de controle sobre os lobbies.

"Todos esses fatores resultaram em uma forma mais sutil de manipulação política que influencia a tomada de decisões para beneficiar a poucos em detrimento de muitos", analisa a organização.Países ricos

O relatório também chama a atenção para problemas de corrupção nos países considerados ricos, como Suíça e Suécia, onde não há regras sobre o financiamento de partidos políticos e é possível realizar doações anônimas.

"Grandes doações privadas representam um risco para a democracia, particularmente quando envolvem companhias com grandes somas de dinheiro desenvolvendo uma estreita relação com partidos políticos e, portanto, ganhando significativa influência sobre as políticas de um país", adverte.

A França falha ao não tornar públicas as declarações de renda de deputados, o que a TI considera "altamente problemático, já que significa que (esses documentos) não têm realmente valor como mecanismo de transparência pública".

Já a Alemanha é, junto com a República Tcheca, o único país da União Europeia que não ratificou a convenção da ONU contra a corrupção, e seu sistema de financiamento de partidos políticos "está longe de ser exemplar", destaca o estudo.

"Muitos na Europa estimam que a corrupção existe apenas em outros países, particularmente naqueles em desenvolvimento. Essa complacência é mal informada (...) e significa que a prevenção da corrupção não é uma prioridade política em muitos países da região", adverte.

Para a TI, a crise "deveria servir como um alerta para que os países europeus reformem seus sistemas políticos de maneira que a corrupção e a má administração possam ser seriamente tratadas".

Da BBC Brasil no UOL

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Juros: Selic a 8,5% e o mundo não se acabou


Notícia 1: Com a decisão de quarta-feira passada, o Copom (Comitê de Política Monetária) trouxe a taxa Selic para o mais baixo patamar da sua existência: 8,5% ao ano.

Notícia 2: com a Espanha em crise total, bancos ameaçados, a própria Espanha ameaçando sair da União Europeia, a taxa básica do país explodiu para... 5,5% ao ano.

A diferença é acachapante. O país ainda pratica taxas de juros estratosféricas. Só agora caminha para uma taxa básica apenas muito elevada - não escandalosamente elevada.

Desde agosto o Banco Central vem perseguindo essa redução de juros. No início, enfrentando o alarmismo inconsequente de analistas financeiros e comentaristas de rádio e TV.

Em outros momentos da história, esse alarmismo sempre logroumanter a Selic em patamares escandalosos. E sempre as mesmas figuras - Mailson, Loyolla, Blanche, Tendências - acenando com o fim do mundo, com a volta da hiperinflação e outros fantasmas.

O que levou o BC, agora, a derrubar a taxa Selic foram os mesmos fatores que deveriam ter levado à queda da Selic em 2008: queda na atividade econômica, reduzindo as pressões sobre preços. Mas, naquele tempo, em plena crise, o BC - presidido por Henrique Meirelles mas tendo, entre seus diretores, o atual presidente Alexandre Tombini - subiu os juros, ao invés de descer.

Há muito se sabe que é mínimo o efeito da Selic sobre os índices inflacionários. Ela pouco impacta taxas de juros (cujo spread é imensamente superior às variações da Selic), e, por conseguinte, níveis de estoque, de demanda.

Mas são imensos os estragos sobre os recursos orçamentários - tirando dinheiro de investimento, saúde, educação, segurança para pagar juros.

O BC de agora não ficou mais sábio do que o dos tempos de Meirelles. Apenas sua orientação política - no melhor sentido da palavra - mudou. Mudando, deixou de ser prisioneiro de falácias monumentais, brandidas diariamente por analistas pífios.

Por exemplo:
1. Passou a aceitar que as medidas prudenciais (as que impactam diretamente o crédito) são muito mais eficazes que a elevação da Selic.

2. Constatou o óbvio: que, a não ser por alguma pressão sobre serviços, a inflação brasileira é fundamentalmente influenciada pelos preços internacionais de commodities e por indexação de contatos - sobre os quais a Selic não tem nenhuma interferência.

O desafio, agora, será impedir um crescimento pífio do PIB este ano.Terá que suar muito:

1. O consumo interno garantiu o PIB dos últimos anos. Daqui para frente, seu crescimento será cada vez mais próximo do crescimento do PIB. Há um primeiro salto, quando ocorre a mudança nos hábitos de consumo das classes incluídas. O primeiro salto esgota parte da capacidade de contrair financiamentos.

2. Bens de consumo durável e cadeias podutivas continuam sob fogo intenso dos importados. Por enquanto, o novo nível do dólar não segurará a invasão externa. Muito menos permitirá aumento das exportações de manufaturados.

3. Resta a perna do investimento. É por aí que o governo aposta todas as suas fichas. Anunciou um conjunto de medidas de apoio. Mas serãonecessários alguns meses ainda para que os empresários acreditem que a nova etapa - crescimento baseado em investimentos - já se consolidou.


A falácia do financiamento externo da dívida

Em artigo na Folha de São Paulo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros elogia a decisão do Banco Central de trazer a taxa Selic para níveis minimamente civilizados.

Em fins de agosto, Luiz Carlos foi dos analistas que desancou a decisão do Banco Central de reduzir a Selic.
Na época, sofismou. Sustentou que o quadro internacional não tinha mudado tanto, quanto alegava o BC, para justificar a queda dos juros. Lançou suspeições sobre a decisão, insinuando que visaria beneficiar investidores que apostavam na queda dos juros.

Agora, muda de opinião.

A diferença entre os dois momentos é que, em agosto, Luiz Carlos provavelmente estava na ponta errada do mercado futuro de juros. Agora, afinou a aposta.

Ainda assim, continua sofismando.
Em seu artigo, defende a tese de que a queda dos juros poderá atrapalhar a entrada de recursos externos. E eles seriam essenciais para financiar a dívida pública no médio prazo. Para reforçar a necessidade, mostra os dados de crescimento da dívida bruta (que corresponde à dívida total sem descontar as reservas cambiais de posse do BC).

Por que não se sustenta a tese?
Primeiro, porque nos próximos anos o BC deixará de rolar pelo menos R$ 50 bilhões da dívida pública, devido à redução do estoque. Ou seja, vai sobrar dinheiro que hoje é aplicado no financiamento da dívida pública.

Depois, porque os números brandidos por Luiz Carlos - de crescimento da dívida pública - tem um responsável óbvio: justamente os dólares que entram no mercado para financiar a dívida pública.
Luiz Carlos sabe disso, mas sofisma.

1. Oinvestimento externo entra no país, em dólares. Suponha que seja US$ 1 bi.
O investidor vende no mercado e recebe reais - com os quais investe em títulos públicos.

2. Na sequência, o BC é obrigado a comprar os dólares para impedir a apreciação excessiva do real. As reservas cambiais aumentam em US$ 1 bi; a dívida pública bruta também em US$ 1 bi. Já a dívida líquida (dívida bruta menos reservas cambiais) permanece no mesmo lugar. Essa conta decorre do fato de que a dívida bruta é um passivo mas a dívida líquida é um ativo do BC. Portanto, teoricamente a operação de emissão de títulos para compra de dólares deveria ser neutra.

Mas isso só no primeiro momento.

3. Ocorre que, mesmo com a queda da Selic, os títulos públicos pagam 8,5% ao ano, enquanto as reservas são remuneradas a 1% ao ano.
No final de um ano (sem computar variações cambiais), só por conta daquela operação, as reservas cambiais estarão em US$ 1,01 bi, enquanto a dívida pública (contraída para adquirir as reservas) em US$ 1,09 bi.

4. A tal operação de financiamento da dívida pública em dólares, no fundo aumentou a dívida pública em 7,5% ao ano. Isso com a Selic a 8,5%. Com a Selic a 11% - como defendia Luiz Carlos - ao final de um ano, cada dólar que entrava para financiar a dívida pública provoca um aumento de 10% aoano no estoque da dívida.

Para agravar a análise, Luiz Carlos não tem sequer o álibi da ignorância: é dos mais preparados e argutos analistas e operadores de mercado.

De Luis Nassif em sua Coluna Econômica
www.luisnassif.com.br

domingo, 3 de junho de 2012

Sobre o abuso sexual


Danuza Leão escreve: Sobre o abuso sexual

Coisas ruins acontecem, mas devem e podem ser também superadas, e o estupro é uma delas

Ninguém sabe o que se passa na cabeça das pessoas, mas existem -homens, principalmente- as que têm fantasias sexuais com meninas (ou meninos) muito jovens, sobretudo quando são meninas (ou meninos) bonitas; isso desde que o mundo é mundo, e acontece até no seio da Santa Madre Igreja. Esses, ou procuram pensar em outra coisa, ou cometem abusos, o que é crime hediondo.

Mas qual a diferença entre uma menina e uma moça? Já era assim quando as adolescentes usavam saia pregueada e meia curta. Hoje elas imitam, desde bem novinhas, o que veem na televisão: usam sapatos de saltinho, minissaia, batom e pintam as unhas.
Pedófilos sempre existiram, existem e existirão, mais do que se imagina, mais do que se sabe. São pessoas com desordem mental, e quem não ouviu falar que em regiões mais atrasadas pais tiveram relações com uma ou mais filhas, tendo até engravidado algumas, que se tornaram mães de suas próprias irmãs. Isso acontece no Brasil profundo e também em países altamente civilizados; na Espanha, houve um bando de pedófilos que abusava sexualmente de crianças, até mesmo de bebês. A miséria humana não tem limites.
A sexualidade das pessoas é um mistério; existem muitos homens, mais do que se imagina, que se alteram quando veem uma criança bonita. Acariciam uma perna, dizem que ela é linda, mas não vão adiante por saberem que esse desejo é pecado, é crime, é contra as leis da natureza, como preferirem chamar; alguns não passam disso, pois não chegam nem mesmo a terem consciência desse desejo.
Mas as crianças percebem; não sabem o que está acontecendo, mas quando fogem do abraço de algum amigo do pai ou de um tio, é porque perceberam. Até pelo olhar elas sentem, criança não é boba. Intuem que alguma coisa está errada, mas como não compreendem o que está acontecendo, não falam. Só se fala do que se entende, e acusar uma pessoa próxima da família de algo que elas mesmas não sabem o que é está fora de questão. Têm pudor e sabem que podem ser castigadas, por terem a cabeça "suja".
Cabe às mães e aos pais ficarem atentos, não deixarem suas filhas/filhos em situações de risco, olhar atentamente o que se passa, e desconfiar sempre, sem medo de estar pensando em "maldades", sabendo que essas coisas acontecem nas melhores famílias. Não vivemos em um mundo ideal.
O abuso sexual causa efeito devastador nos que o sofrem, e precisam de apoio profissional, apoio esse que deve ser forte e positivo; só o amor de mãe e pai não é suficiente.
Elas devem aprender a levantar a cabeça e olhar a vida de frente, deixando esse triste momento para trás, no lugar de sofrer por toda a existência; passaram por um péssimo momento, como poderiam ter sido atropeladas ou levado uma facada de um assaltante.
Houve gente que perdeu a família inteira na guerra, ou durante o tsunami, ou nas torres gêmeas de Nova York, ou no terremoto de Tóquio, mas conseguiu superar. Coisas ruins acontecem, mas devem e podem ser também superadas, e o estupro é uma delas.
A condição humana é uma miséria.danuza.leao@uol.com.br

De Danuza Leão na Folha de São Paulo de 03/06/2012

sábado, 2 de junho de 2012

Gilmar Mendes, a toga inquieta

Causador de polêmicas desde que foi indicado ao STF por FHC, Gilmar Mendes coleciona atritos e é visto como inimigo do PT - mas já deu ao menos três votos cruciais a favor do partido

Para adversários, ele é o inimigo número um do PT e o guerreiro das causas equivocadas. Para defensores, um homem que põe o direito acima de tudo e não aceita patrulhamentos. Os dois lados, porém, concordam que ele é muito suscetível a rumores e extrapola nas reações.

Esse é Gilmar Mendes, nascido em Diamantino (MT) em 1955, nomeado para o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2002, presidente da alta corte de 2008 a 2010 e sempre metido em confusões.

Ex-advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, sua própria chegada ao STF, pelas mãos de FHC, já foi problemática, com uma das mais altas taxas de rejeição na sabatina no Senado e críticas do jurista Dalmo Dallari, ligado ao PT, que o acusava de "tucano" e previa riscos "à normalidade institucional".

Nesses dez anos, Mendes já se envolveu em incontáveis crises -ora com o ex-presidente Lula, ora com a Polícia Federal, ora com colegas do Supremo e sempre com a imprensa. Sua principal arma são as palavras, principalmente os adjetivos.

Já criticou a "pistolagem jornalística", o "Estado policialesco" e os "métodos fascistas", as "canalhices" e "a espetacularização" da PF sob Lula -além do "nazifascismo" da Lei da Ficha Limpa.

Daí à sua mais nova polêmica não há surpresa. Após um encontro a três no escritório do ex-ministro e ex-presidente do STF Nelson Jobim, disse publicamente que Lula tentou negociar o adiamento do julgamento do mensalão em troca de proteção em acusações na CPI do Cachoeira.

No seu relato, que tanto Lula quanto Jobim desmentem, o petista argumentava com os efeitos políticos do julgamento em época eleitoral e falou quatro vezes sobre a CPI.

"Na quarta, caiu a ficha. Foi quando ele [Lula] disse que eu não me preocupasse, que ele daria um jeito na CPI", diz. "Aí, dei um pulo da cadeira: 'Olha aqui, Lula, vai fundo, porque eu não tenho nada a ver com essa CPI'."

Foi quando, sempre na versão de Mendes, Lula tentou o xeque-mate: "E a viagem a Berlim?". Era uma referência à boataria de que o pivô da CPI, Carlinhos Cachoeira, teria pago uma viagem sua.

Ele, que tem mestrado e doutorado na Alemanha, rebateu: disse que vai todos os anos ao país e tinha todas as notas da compra da viagem e do hotel e ficou uma fera.

Saiu dali remoendo a situação, montou três pastas pretas com os documentos e foi de um a um relatando a história: ao ex-deputado petista Sigmaringa Seixas, já no dia seguinte, e ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao senador do DEM Agripino Maia, à senadora do PSD Kátia Abreu. Até que, um mês depois, a bomba apareceu na revista "Veja".

O roteiro não é novo na vida de Mendes. Coproprietário do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), ficou possesso quando a imprensa publicou, em 2007, que o STF pagava cursos a funcionários na instituição, somando quase R$ 50 mil.

No mesmo ano, estourou a Operação Navalha da PF e, entre suspeitos de receber "mimos e brindes" da construtora Gautama, havia um certo "Gilmar de Melo Mendes". Diante de notas dizendo que era ele, cujo nome completo é Gilmar Ferreira Mendes, apontou o dedo -e a artilharia- para a PF, para o Ministério da Justiça e para o governo em geral.

Já em 2008, Mendes envolveu-se em polêmica por uma nova operação da PF, a Satiagraha, que misturava o banqueiro Daniel Dantas, o então delegado e hoje deputado Protógenes Queiroz e o juiz Fausto de Sanctis.

O ministro concedeu habeas corpus para liberar Dantas e, ao ter de repetir a medida logo em seguida, sentiu-se desautorizado por De Sanctis, que insistia em prender o banqueiro. Versões na internet passaram a jogar insinuações contra Mendes, a mais grave delas mentirosa: a de que haveria uma foto de um assessor seu com gente do esquema e troca de dinheiro.

Nem quando a PF abriu os computadores do delegado a foto apareceu, e a operação foi anulada por falhas de procedimento, mas a partir daí Mendes passou a ser um dos alvos prediletos de blogs ligados ao PT e ao governo.

Outro momento difícil ocorreu quando a revista "Veja" publicou que Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres estavam grampeados.

Em nova profusão de adjetivos, Mendes condenou o "Estado policialesco" e "chamou o presidente às falas", o que lhe valeu críticas, até de seus defensores.

Num encontro intermediado já àquela época por Jobim, Mendes acertou tudo com Lula. E, apesar de viver às turras verbais com o PT, dali em diante tentava sempre preservar o presidente.

Isso até o encontro de abril último entre os dois, quando passou a aludir a "gangsters", acusando Lula de tentar "melar" o julgamento e de liderar uma "central de informações" contra ele.

No Supremo, Mendes protagonizou bate-boca com o colega Joaquim Barbosa por causa de um processo menor e trocou mensagens mal-humoradas com seu sucessor na presidência, Cézar Peluso.

Mendes se orgulha de ter acionado o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tirando da cadeia centenas de pessoas, pobres em geral, indevidamente presas. Não suportou quando Peluso, ao sucedê-lo, criticou gastos com viagens.

Apesar da verborragia e da adjetivação, reagiu contra a Lei da Ficha Limpa e deu pelo menos três votos a favor do PT em momentos cruciais: contra a investigação do atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante no "dossiê dos aloprados", para livrar o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci na quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa e a favor do ex-deputado José Genoino.

Quem conhece seu temperamento aposta: suas lutas continuam. Só falta saber qual será o próximo round -e com quem.

De ELIANE CANTANHÊDE e FELIPE SELIGMAN na Folha de São Paulo de 02/06/2012