STF veta brecha na interpretação de estupro
Por unanimidade, a 1ª Turma acompanha o voto da ministra Rosa Weber; decisão contrasta com a absolvição, pelo STJ, de acusado de estuprar meninas de doze anos
O Supremo Tribunal Federal decidiu que a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade é estupro, e não pode ser qualificado como algo diferente.
Esse entendimento foi reafirmado por unanimidade pela 1ª Turma do STF, em maio último, ao acompanhar o voto da relatora, ministra Rosa Weber.
Estava em julgamento um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um paranaense condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, sob acusação de estupro e atentado violento ao pudor contra uma enteada, então com dez anos de idade. Segundo a denúncia, o abuso sexual ocorreu diariamente ao longo de quase dois anos, em 2003 e 2004.
Segundo o voto da relatora, é pacífico o entendimento no Supremo quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, o que impede a pretensa relativização da violência presumida.
“Não é possível qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz”, afirma o acórdão do STF, publicado no último dia 12 (*).
Essa decisão contrasta com a absolvição pelo Superior Tribunal de Justiça, em março último, de um homem acusado de cometer estupro de adolescentes de doze anos. A Terceira Seção do STJ entendeu, na ocasião, que a presunção de violência não seria absoluta, pois as meninas eram prostitutas. O caso ainda está em julgamento pelo STJ, com o oferecimento de recurso [embargos de declaração].
O entendimento do STJ foi de que a violência no crime de estupro era relativa –dependia de cada caso– e não absoluta. Ou seja, poderia ser questionada mesmo em se tratando de menores.
A decisão do STJ foi criticada, entre outros, pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que viu “tolerância com essa prática nefasta” e uma afronta ao princípio da proteção absoluta garantido a crianças e adolescentes.
Em nota, o STJ afirmou na ocasião que a Corte “apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima”.
Segundo a relatora do caso no STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado –no caso, a liberdade sexual.
Na época das relações sexuais, o Código Penal considerava que o crime deveria ser cometido mediante violência, e que ela era presumida quando se tratava de vítimas menores de 14 anos. O artigo foi revogado em 2009 com a mudança da lei –o texto atual não cita a violência.
“A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado”, afirmou o acórdão do STJ.
A decisão do Supremo reitera sua jurisprudência quanto a ser absoluta a presunção de violência nesses casos.
Texto de Frederico Vasconcelos
http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2012/06/25/sexo-com-crianca-e-estupro-decide-o-supremo/
(*) HC N. 105.558-PR
RELATORA: MIN. ROSA WEBER
HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. VÍTIMA MENOR DE CATORZE ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CRIME COMETIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 12.015/09. CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORAÇÃO MÁXIMA DA PENA. COMPATIBILIDADE COM O NÚMERO DE CRIMES COMETIDOS. PRECEDENTES.
1. O habeas corpus não se presta ao exame e à valoração aprofundada das provas, não sendo viável reavaliar o conjunto probatório que levou à condenação criminal do paciente por crimes de estupro e atentado violento ao pudor.
2. O entendimento desta Corte pacificou-se quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida.
3. Não é possível qualificar a manutenção de relação sexual com criança de dez anos de idade como algo diferente de estupro ou entender que não seria inerente a ato da espécie a violência ou a ameaça por parte do algoz.
4. O aumento da pena devido à continuidade delitiva varia conforme o número de delitos. Na espécie, consignado nas instâncias ordinárias terem os crimes sido cometidos diariamente ao longo de quase dois anos, autorizada a majoração máxima.
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