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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Juros: Selic a 8,5% e o mundo não se acabou


Notícia 1: Com a decisão de quarta-feira passada, o Copom (Comitê de Política Monetária) trouxe a taxa Selic para o mais baixo patamar da sua existência: 8,5% ao ano.

Notícia 2: com a Espanha em crise total, bancos ameaçados, a própria Espanha ameaçando sair da União Europeia, a taxa básica do país explodiu para... 5,5% ao ano.

A diferença é acachapante. O país ainda pratica taxas de juros estratosféricas. Só agora caminha para uma taxa básica apenas muito elevada - não escandalosamente elevada.

Desde agosto o Banco Central vem perseguindo essa redução de juros. No início, enfrentando o alarmismo inconsequente de analistas financeiros e comentaristas de rádio e TV.

Em outros momentos da história, esse alarmismo sempre logroumanter a Selic em patamares escandalosos. E sempre as mesmas figuras - Mailson, Loyolla, Blanche, Tendências - acenando com o fim do mundo, com a volta da hiperinflação e outros fantasmas.

O que levou o BC, agora, a derrubar a taxa Selic foram os mesmos fatores que deveriam ter levado à queda da Selic em 2008: queda na atividade econômica, reduzindo as pressões sobre preços. Mas, naquele tempo, em plena crise, o BC - presidido por Henrique Meirelles mas tendo, entre seus diretores, o atual presidente Alexandre Tombini - subiu os juros, ao invés de descer.

Há muito se sabe que é mínimo o efeito da Selic sobre os índices inflacionários. Ela pouco impacta taxas de juros (cujo spread é imensamente superior às variações da Selic), e, por conseguinte, níveis de estoque, de demanda.

Mas são imensos os estragos sobre os recursos orçamentários - tirando dinheiro de investimento, saúde, educação, segurança para pagar juros.

O BC de agora não ficou mais sábio do que o dos tempos de Meirelles. Apenas sua orientação política - no melhor sentido da palavra - mudou. Mudando, deixou de ser prisioneiro de falácias monumentais, brandidas diariamente por analistas pífios.

Por exemplo:
1. Passou a aceitar que as medidas prudenciais (as que impactam diretamente o crédito) são muito mais eficazes que a elevação da Selic.

2. Constatou o óbvio: que, a não ser por alguma pressão sobre serviços, a inflação brasileira é fundamentalmente influenciada pelos preços internacionais de commodities e por indexação de contatos - sobre os quais a Selic não tem nenhuma interferência.

O desafio, agora, será impedir um crescimento pífio do PIB este ano.Terá que suar muito:

1. O consumo interno garantiu o PIB dos últimos anos. Daqui para frente, seu crescimento será cada vez mais próximo do crescimento do PIB. Há um primeiro salto, quando ocorre a mudança nos hábitos de consumo das classes incluídas. O primeiro salto esgota parte da capacidade de contrair financiamentos.

2. Bens de consumo durável e cadeias podutivas continuam sob fogo intenso dos importados. Por enquanto, o novo nível do dólar não segurará a invasão externa. Muito menos permitirá aumento das exportações de manufaturados.

3. Resta a perna do investimento. É por aí que o governo aposta todas as suas fichas. Anunciou um conjunto de medidas de apoio. Mas serãonecessários alguns meses ainda para que os empresários acreditem que a nova etapa - crescimento baseado em investimentos - já se consolidou.


A falácia do financiamento externo da dívida

Em artigo na Folha de São Paulo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros elogia a decisão do Banco Central de trazer a taxa Selic para níveis minimamente civilizados.

Em fins de agosto, Luiz Carlos foi dos analistas que desancou a decisão do Banco Central de reduzir a Selic.
Na época, sofismou. Sustentou que o quadro internacional não tinha mudado tanto, quanto alegava o BC, para justificar a queda dos juros. Lançou suspeições sobre a decisão, insinuando que visaria beneficiar investidores que apostavam na queda dos juros.

Agora, muda de opinião.

A diferença entre os dois momentos é que, em agosto, Luiz Carlos provavelmente estava na ponta errada do mercado futuro de juros. Agora, afinou a aposta.

Ainda assim, continua sofismando.
Em seu artigo, defende a tese de que a queda dos juros poderá atrapalhar a entrada de recursos externos. E eles seriam essenciais para financiar a dívida pública no médio prazo. Para reforçar a necessidade, mostra os dados de crescimento da dívida bruta (que corresponde à dívida total sem descontar as reservas cambiais de posse do BC).

Por que não se sustenta a tese?
Primeiro, porque nos próximos anos o BC deixará de rolar pelo menos R$ 50 bilhões da dívida pública, devido à redução do estoque. Ou seja, vai sobrar dinheiro que hoje é aplicado no financiamento da dívida pública.

Depois, porque os números brandidos por Luiz Carlos - de crescimento da dívida pública - tem um responsável óbvio: justamente os dólares que entram no mercado para financiar a dívida pública.
Luiz Carlos sabe disso, mas sofisma.

1. Oinvestimento externo entra no país, em dólares. Suponha que seja US$ 1 bi.
O investidor vende no mercado e recebe reais - com os quais investe em títulos públicos.

2. Na sequência, o BC é obrigado a comprar os dólares para impedir a apreciação excessiva do real. As reservas cambiais aumentam em US$ 1 bi; a dívida pública bruta também em US$ 1 bi. Já a dívida líquida (dívida bruta menos reservas cambiais) permanece no mesmo lugar. Essa conta decorre do fato de que a dívida bruta é um passivo mas a dívida líquida é um ativo do BC. Portanto, teoricamente a operação de emissão de títulos para compra de dólares deveria ser neutra.

Mas isso só no primeiro momento.

3. Ocorre que, mesmo com a queda da Selic, os títulos públicos pagam 8,5% ao ano, enquanto as reservas são remuneradas a 1% ao ano.
No final de um ano (sem computar variações cambiais), só por conta daquela operação, as reservas cambiais estarão em US$ 1,01 bi, enquanto a dívida pública (contraída para adquirir as reservas) em US$ 1,09 bi.

4. A tal operação de financiamento da dívida pública em dólares, no fundo aumentou a dívida pública em 7,5% ao ano. Isso com a Selic a 8,5%. Com a Selic a 11% - como defendia Luiz Carlos - ao final de um ano, cada dólar que entrava para financiar a dívida pública provoca um aumento de 10% aoano no estoque da dívida.

Para agravar a análise, Luiz Carlos não tem sequer o álibi da ignorância: é dos mais preparados e argutos analistas e operadores de mercado.

De Luis Nassif em sua Coluna Econômica
www.luisnassif.com.br

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