Causador de polêmicas desde que foi indicado ao STF por FHC, Gilmar Mendes coleciona atritos e é visto como inimigo do PT - mas já deu ao menos três votos cruciais a favor do partido
Para adversários, ele é o inimigo número um do PT e o guerreiro das causas equivocadas. Para defensores, um homem que põe o direito acima de tudo e não aceita patrulhamentos. Os dois lados, porém, concordam que ele é muito suscetível a rumores e extrapola nas reações.
Esse é Gilmar Mendes, nascido em Diamantino (MT) em 1955, nomeado para o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2002, presidente da alta corte de 2008 a 2010 e sempre metido em confusões.
Ex-advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso, sua própria chegada ao STF, pelas mãos de FHC, já foi problemática, com uma das mais altas taxas de rejeição na sabatina no Senado e críticas do jurista Dalmo Dallari, ligado ao PT, que o acusava de "tucano" e previa riscos "à normalidade institucional".
Nesses dez anos, Mendes já se envolveu em incontáveis crises -ora com o ex-presidente Lula, ora com a Polícia Federal, ora com colegas do Supremo e sempre com a imprensa. Sua principal arma são as palavras, principalmente os adjetivos.
Já criticou a "pistolagem jornalística", o "Estado policialesco" e os "métodos fascistas", as "canalhices" e "a espetacularização" da PF sob Lula -além do "nazifascismo" da Lei da Ficha Limpa.
Daí à sua mais nova polêmica não há surpresa. Após um encontro a três no escritório do ex-ministro e ex-presidente do STF Nelson Jobim, disse publicamente que Lula tentou negociar o adiamento do julgamento do mensalão em troca de proteção em acusações na CPI do Cachoeira.
No seu relato, que tanto Lula quanto Jobim desmentem, o petista argumentava com os efeitos políticos do julgamento em época eleitoral e falou quatro vezes sobre a CPI.
"Na quarta, caiu a ficha. Foi quando ele [Lula] disse que eu não me preocupasse, que ele daria um jeito na CPI", diz. "Aí, dei um pulo da cadeira: 'Olha aqui, Lula, vai fundo, porque eu não tenho nada a ver com essa CPI'."
Foi quando, sempre na versão de Mendes, Lula tentou o xeque-mate: "E a viagem a Berlim?". Era uma referência à boataria de que o pivô da CPI, Carlinhos Cachoeira, teria pago uma viagem sua.
Ele, que tem mestrado e doutorado na Alemanha, rebateu: disse que vai todos os anos ao país e tinha todas as notas da compra da viagem e do hotel e ficou uma fera.
Saiu dali remoendo a situação, montou três pastas pretas com os documentos e foi de um a um relatando a história: ao ex-deputado petista Sigmaringa Seixas, já no dia seguinte, e ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao senador do DEM Agripino Maia, à senadora do PSD Kátia Abreu. Até que, um mês depois, a bomba apareceu na revista "Veja".
O roteiro não é novo na vida de Mendes. Coproprietário do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), ficou possesso quando a imprensa publicou, em 2007, que o STF pagava cursos a funcionários na instituição, somando quase R$ 50 mil.
No mesmo ano, estourou a Operação Navalha da PF e, entre suspeitos de receber "mimos e brindes" da construtora Gautama, havia um certo "Gilmar de Melo Mendes". Diante de notas dizendo que era ele, cujo nome completo é Gilmar Ferreira Mendes, apontou o dedo -e a artilharia- para a PF, para o Ministério da Justiça e para o governo em geral.
Já em 2008, Mendes envolveu-se em polêmica por uma nova operação da PF, a Satiagraha, que misturava o banqueiro Daniel Dantas, o então delegado e hoje deputado Protógenes Queiroz e o juiz Fausto de Sanctis.
O ministro concedeu habeas corpus para liberar Dantas e, ao ter de repetir a medida logo em seguida, sentiu-se desautorizado por De Sanctis, que insistia em prender o banqueiro. Versões na internet passaram a jogar insinuações contra Mendes, a mais grave delas mentirosa: a de que haveria uma foto de um assessor seu com gente do esquema e troca de dinheiro.
Nem quando a PF abriu os computadores do delegado a foto apareceu, e a operação foi anulada por falhas de procedimento, mas a partir daí Mendes passou a ser um dos alvos prediletos de blogs ligados ao PT e ao governo.
Outro momento difícil ocorreu quando a revista "Veja" publicou que Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres estavam grampeados.
Em nova profusão de adjetivos, Mendes condenou o "Estado policialesco" e "chamou o presidente às falas", o que lhe valeu críticas, até de seus defensores.
Num encontro intermediado já àquela época por Jobim, Mendes acertou tudo com Lula. E, apesar de viver às turras verbais com o PT, dali em diante tentava sempre preservar o presidente.
Isso até o encontro de abril último entre os dois, quando passou a aludir a "gangsters", acusando Lula de tentar "melar" o julgamento e de liderar uma "central de informações" contra ele.
No Supremo, Mendes protagonizou bate-boca com o colega Joaquim Barbosa por causa de um processo menor e trocou mensagens mal-humoradas com seu sucessor na presidência, Cézar Peluso.
Mendes se orgulha de ter acionado o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), tirando da cadeia centenas de pessoas, pobres em geral, indevidamente presas. Não suportou quando Peluso, ao sucedê-lo, criticou gastos com viagens.
Apesar da verborragia e da adjetivação, reagiu contra a Lei da Ficha Limpa e deu pelo menos três votos a favor do PT em momentos cruciais: contra a investigação do atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante no "dossiê dos aloprados", para livrar o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci na quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa e a favor do ex-deputado José Genoino.
Quem conhece seu temperamento aposta: suas lutas continuam. Só falta saber qual será o próximo round -e com quem.
De ELIANE CANTANHÊDE e FELIPE SELIGMAN na Folha de São Paulo de 02/06/2012
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