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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O LEITOR EMERGENTE

O LEITOR EMERGENTE


- Mãe, ontem eu tirei da estante Gabriel Garcia Marques, sentei no sofá para ler a obra “Viver para contar”.
Minutos depois, confesso-lhe tive que parar, apesar de minha alma sentir-se aliviada, meu coração tranqüilo e músculos relaxados, para pensar nos problemas que no dia seguinte eu ia enfrentar. Pensei nos filhos pequenos, que apesar de serenos não tinham com o que se alimentar, nos salários atrasados que o patrão não podia pagar, no meu próprio emprego que a qualquer momento eu ia perder e na solidão que quando velho eu ia morrer.

Depois de tanta reflexão olhei outra vez para estante e tudo estava intacto no mesmo lugar, Gabriel Garcia Marques, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Clarice Lispector e "Harry Potter", esse último escrito do outro lado do mundo.

Não consegui ler mais nada, só consegui assistir ao um programa da Tv Globo quando era madrugada. Desiludido de tudo eu tentei dormir, mas o sono não veio. Lembrei-me da cronologia vivida e do seu efeito que num jornal li um dia, relaxei o corpo sobre a cama ao lado da mulher que não mais me ama e adormeci.

Acordei com o celular despertando desesperado a me chamar; Trim, trim, trim... Apertei o botão de desligar e o danado parou. Meu pensamento desandou e nos problemas da vida voltei a pensar.

Sai do quanto e ao passar pela sala lá estava a estante com aqueles autores a me olhar. Não gritei, não chorei e não fiquei nervoso porque nada ia mudar. Perguntei-me por que aqueles intelectuais escreviam e lentamente pude perceber que era apenas para aliviar sofrimentos e oferecer esperança de vida digna, mesmo sem suas obras eu consultar. Porque a sede de justiça, a miséria, o analfabetismo, a falta de moradia, de emprego, o excesso de violência e a falta de dignidade impediam que no livro eu me concentrasse.

Ainda bem que eu era um leitor emergente e tinha disposição para trabalhar. Quem conseguia ler era só mesmo o mais abastado, porque o pobre, a dona de casa, o assalariado e desempregado às vezes a poesia até queriam, mas não conseguiam ler porque no outro dia tinham que lutar para sobreviver.


R J Cardoso

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