A solução não é ficar mexendo nas leis
A União Europeia descobriu o caminho correto e passou a levar a sério um dos mais eficientes programas mundiais de prevenção de acidentes e mortes no trânsito, cumprindo rigorosamente uma lista com mais de 60 itens.
Eles envolvem uma ampla gama de aspectos: educação, engenharia (das estradas, das ruas e dos carros), fiscalização, primeiros socorros e punição. A taxa média anual de redução no número de óbitos no trânsito da União Europeia é de, aproximadamente, 5% (calculada com base nos dados de 2000 a 2009). Contrariamente, a taxa brasileira de aumento (de 2001 a 2010) foi de 4,06%.
Em 2010, registramos 42.844 mortes no trânsito, contra 32.787 da União Europeia. Mais de 10 mil mortes menos que no Brasil, mesmo tendo uma frota de veículos quatro vezes maior que a nossa.
O que o Brasil tem feito? Responde ao flagelo mortífero com novas leis, sempre mais duras e com a promessa de que agora vai resolver.
Essa política da enganação começou sistematicamente com o Código de Trânsito brasileiro em 1997, quando o Datasus registrava 35.620 mortes no trânsito. Como já não estava surtindo o efeito desejado, modificou-se o CTB em 2006, quando já contávamos com 36.367 mortes. Não tendo funcionado bem, veio a lei seca de 2008, quando alcançamos o patamar de 38.273 mortes.
De 2009 a 2010, logo após a ressaca da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito de toda nossa história: 13,96%.
Foi com aumento notável na frota de veículos, sobretudo de motocicletas, frouxidão na fiscalização, morosidade na punição e erros crassos da lei, tal como a exigência de comprovação de 6 decigramas de álcool por litro de sangue, que chegamos em 2010 a 42.844 mortes (dados do Datasus).
A projeção que fizemos no nosso Instituto Avante Brasil, para 2012, é de mais de 46 mil óbitos. Para dar satisfação simbólica à população, o que o legislador e a Presidência da República acabam de fazer? Nova lei penal, mais rigorosa que a anterior.
Sem severa fiscalização e persistente conscientização de todos, motoristas e pedestres, nada se pode esperar de positivo da nova lei.
O legislador, diante da sua impotência para resolver de fato os problemas nacionais, usa sua potência legislativa e com isso se tranquiliza dizendo que fez a sua parte.
Isso se chama populismo penal legislativo, porque se sabe, de antemão, que a situação não vai se alterar. Ao contrário, vai se agravar, porque a adoção de novas leis penais sempre ilude a população e adia o enfrentamento correto do problema.
O buraco do trânsito é muito mais profundo. Dessas políticas enganosamente repressivas e inócuas já estamos todos enfadados. A Europa descobriu há duas décadas o caminho correto. Vem colhendo excelentes frutos com essa iniciativa civilizada indiscutivelmente acertada.
Nós ignoramos completamente tudo que a fórmula europeia sugere e aprovamos, de tempos em tempos, novas leis penais, sempre mais duras. Pura enganação, em termos de prevenção da mortandade, embora sejam acertadas e necessárias algumas alterações legislativas.
Continuamos indiferentes com tudo aquilo que efetivamente deveria ser feito. Tiririca, ao se candidatar a deputado federal em 2010, dizia: "Pior que está não fica". O Brasil, no entanto, está conseguindo diariamente ficar pior, e bem pior, em vários setores.
Texto de LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundador da rede de ensino LFG. Foi promotor (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001)
Da Folha de São Paulo de 29/12/2012
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