Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, voltou a criticar os mecanismos de controle da magistratura, a acusar as corregedorias judiciais de agirem de forma corporativa e a pedir sanções mais rigorosas para juízes, desembargadores e ministros condenados por desvio de conduta.
Pela legislação em vigor, a pena máxima aplicada no plano administrativo a magistrados condenados por nepotismo, tráfico de influência e venda de sentenças é a aposentadoria compulsória, com direito a salário proporcional aos anos trabalhados. Entende a ministra Eliana Calmon que, quando a Lei Orgânica da Magistratura foi editada, em 1979, a preocupação do legislador era criar apenas sanções morais. Hoje, no entanto, os valores da magistratura mudaram e a aposentadoria compulsória com direito a vencimentos é vista como um prêmio, diz ela. "Aposentadoria não pode ser punição para ninguém. Foi no passado, quando o fio do bigode era importante, quando se tinha outros padrões de moralidade. A aposentadoria era uma pena. Hoje não é mais. Passou a ser encarada como benesse", afirmou. Indagada sobre a aplicação da pena de prisão a magistrados corruptos, ela fez outra declaração contundente: "Não sei se cadeia é o melhor resultado, já que o Brasil tem dificuldade de punir trombadinhas. O senhor conhece algum colarinho-branco preso?".
Há dois meses, a ministra Eliana Calmon se envolveu numa discussão pública com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Cezar Peluso, quando declarou que "há bandidos de toga" e que uma minoria de juízes "se vale da toga para cometer deslizes". Apoiado pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, de quem foi colega no Tribunal de Justiça de São Paulo, Peluso exigiu uma retratação pública da corregedora nacional de Justiça.
A corregedora nacional de Justiça manteve o que havia dito, ressalvando que suas críticas foram dirigidas apenas a uma minoria de juízes. Também acusou os Tribunais de Justiça - especialmente o de São Paulo - de serem os principais entraves da modernização do Poder Judiciário. "Sabe quando eu vou poder inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. O Tribunal de Justiça de São Paulo é fechado, refratário a qualquer ação do CNJ", disse ela.
As críticas mais contundentes da ministra têm sido dirigidas aos atuais dirigentes da AMB. Alegando que a fiscalização da magistratura cabe às corregedorias judiciais, o presidente da entidade entrou com um recurso no Supremo, questionando a prerrogativa do CNJ de investigar e punir juízes. No programa Roda Viva, a corregedora nacional de Justiça deu o troco. Por causa do corporativismo reinante nos Tribunais de Justiça, os desembargadores tendem a não se submeter às ações fiscalizadoras moralizadoras das corregedorias, disse ela. "Os juízes de primeiro grau têm a corregedoria judicial. Mesmo ineficiente, ela tem alguém que está lá para questioná-los. Mas, dos integrantes dos Tribunais, nada passa pelas corregedorias. Os desembargadores não são investigados por elas." Segundo a ministra, o descontentamento das associações de classe de magistrados cresceram na medida em que a Corregedoria Nacional de Justiça e o CNJ passaram a realizar a tarefa que as corregedorias não queriam ou não conseguiam executar. Atualmente, o CNJ fiscaliza 32 desembargadores de todo o País.
Na magistratura, a principal força de apoio da corregedora nacional de Justiça é a Associação Juízes para a Democracia. Seus integrantes querem que a AMB tenha uma atuação mais política, discutindo temas como os que têm sido levantados por Eliana Calmon, mas perderam a última eleição da entidade. Por 52% contra 48% dos votos, ela foi vencida pela corrente que defende aumento de salários e considera o controle externo uma ameaça à autonomia da Justiça. Além do impacto causado perante a opinião pública, as declarações de Eliana Calmon no Roda Viva devem suscitar discussões ainda mais acirradas entre os juízes.
D'O Estado de S.Paulo de 19/11/2011
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