No Brasil, a tradição alimentar de comer formigas pode estar ameaçada
Alexei Barrionuevo e Myrna DomitEm Silveiras (Brasil)
- As formigas fêmeas conhecidas como "içás", ou formigas rainha, na zona rural de Silveiras, no dia 21 de dezembro de 2010
“Tem gosto de hortelã”, disse Silva, 58 anos, com um som crocante saindo de sua boca.
Usando botas de borracha, Silva perambulava pelos morros acima de sua cidade de 6 mil habitantes com uma vara e um balde de plástico. Ele estava à caça da obsessão de Silveiras e uma rara iguaria gastronômica no Brasil: a içá, ou formiga rainha.
As fortes chuvas de primavera em outubro e novembro fazem com que as formigas deixem o solo e por algumas breves semanas Silveiras entra em um frenesi de caça à formiga. Os moradores as estocam, limpam as içás e as congelam em garrafas de um e dois litros para que durem até o ano seguinte.
Mas neste ano a caça à formiga foi menor do que o habitual, dizem os moradores, e o número de formigas está diminuindo. Os principais culpados são os pesticidas usados nos eucaliptos que são plantados para produção de celulose para papel e outros produtos, disseram moradores e autoridades locais.
“Com a urbanização e o veneno que estão colocando no solo, não nos resta muito tempo”, disse Vera Toledo, 67 anos, uma escritora e antropóloga cujo marido é natural de Silveiras.
Gerações de povos indígenas usavam as formigas para substituir as proteínas de peixes e macacos, disseram os moradores. Hoje, os moradores de Silveiras –e as pessoas que dirigem centenas de quilômetros por ano para comprar as formigas– as prezam não apenas por sua proteína, mas também como afrodisíaco e fonte de antibióticos naturais.
Os moradores desta cidade a 207 quilômetros de São Paulo mantiveram viva a antiga tradição indígena de cozinhar e servir as formigas com pratos tradicionais brasileiros. Essas não são formigas comuns correndo sobre restos de alimentos açucarados, como a minúscula variedade americana. As içás são grandes –com até 2,5 centímetros de comprimento– e gordas, e a picada delas é dolorida.
Mas a mudança da paisagem representa uma ameaça às formigas, argumentam os moradores. Graças ao crescimento econômico do Brasil, a plantação de eucaliptos provou ser altamente lucrativa para alguns proprietários de terras em Silveiras, que perdeu seu lugar como grande produtora de café e carne bovina e que já teve uma população de mais de 30 mil habitantes.
Os moradores não tentaram transformar as formigas em um grande empreendimento comercial. No norte da Colômbia, os moradores locais exportam suas “hormigas culonas”, ou formigas rainha de traseiro grande, para a França, Reino Unido e outros países, onde são cobertas em chocolate.
As formigas cortadeiras no Brasil vêm da mesma família Atta das colombianas, disse Marina Saiki, uma bióloga do Zoológico de São Paulo. Mas apesar dos moradores daqui dizerem que um dinheiro extra seria bem-vindo, muitos parecem mais preocupados com a preservação da tradição –e da população de formigas– para si mesmos.
Ocílio Ferraz, um entendido local em içás de Silveiras, se dedicou a manter o banquete vivo. Um autoproclamado ambientalista, ele tem resistido aos esforços de exportá-las, preferindo receber os visitantes em seu restaurante, onde ele tem uma cozinha especial dedicada a fritar as içás.
Ferraz, 72 anos, diz que recebe telefonemas diários pedindo pelo fornecimento de formigas para cidades distantes. Ele disse que pensou a certa altura em exportá-las, mas desistiu porque as leis brasileiras para exportação de alimentos são complicadas demais. Além disso, ele disse: “Eu não acho que o fornecimento seria bom para a qualidade da tradição”.
Hoje ele mostra o jogo americano, pratos, copos, avental e pinturas na parede de seu restaurante, todos exibindo a formiga rainha. Outros artistas estão projetando brinquedos.
Lentamente, Ferraz conseguiu quebrar o estigma que costuma cercar a ingestão de formigas, que era vista como uma tradição reservada às famílias mais pobres.
“Muitas pessoas se diziam embaraçadas em comer as içás”, ele disse.
Mesmo assim, ele disse, todo outubro e novembro “a cidade inteira fica cheirando a formiga frita”.
Hoje os moradores estão mais abertos a respeito de seu apreço pelas formigas crocantes.
“Eu sou fanática por içá”, disse Maria José Camargo, 29 anos, ao provar algumas formigas no restaurante de Ferraz. “Eu adoro. Vale a pena economizar dinheiro o ano todo para gastar nas içás. Meus filhos são pequenos demais para pegá-las, mas quando crescerem, eles certamente vão pegar içás.”
Nos morros, Silva, o caçador de formigas, está ensinando Dudu da Silva, 12 anos e sem parentesco, como capturar as formigas. Com os dedos, Silva pega as içás uma por uma e as joga no balde.
As formigas picam Silva com frequência, cujas mãos geralmente ficam ensanguentadas após um dia as pegando. A certa altura, uma menininha que o observava trabalhando começou a chorar de dor quando uma formiga picou seu pé.
No restaurante de Ferraz, os caçadores de formiga vendem sua caça por em média US$ 15 por litro. Ele cobra aproximadamente US$ 12 por um prato grande de içás fritas em gordura de porco com farofa, para dois.
Apesar das formigas venderem rapidamente e serem uma aparente fonte de orgulho, algumas famílias de Silveiras ficam divididas com a prática. Edson Mendes Mota, o ex-prefeito de Silveiras e atualmente seu secretário de desenvolvimento, disse não ligar para elas, apesar de sua esposa ter uns oito quilos delas no freezer.
“Minha esposa gosta, meus filhos gostam, a cidade inteira gosta”, ele disse.
Mota apoia a crescente indústria de eucaliptos da cidade, que se transformou em inimiga das formigas. Os proprietários de terras têm o direito de plantar as árvores altamente lucrativas, apesar de o plantio ser regulado, ele disse.
“Nós precisamos nos unir, sentar e discutir o fato de que uma nova geração daqui não mais conhecerá as tradições de nossa cidade”, disse Mota.
Alair Duarte, o presidente da câmara municipal, disse que propôs limitar o plantio de eucalipto a certas áreas, para que as formigas possam continuar se reproduzindo.
“Se não fizermos isso rápido, não restará mais içás”, disse Duarte, que cresceu comendo as formigas içás cruas. “Antes de pensarmos em exportar as içás, nós precisamos preservar o que temos aqui.”
Se as içás estão em perigo aqui, alguns moradores dizem acreditar que ainda há um local onde o plantio de eucalipto não está matando as formigas.
“As pessoas dizem que há muitas içás nos cemitérios, porque elas comem os cérebros das pessoas”, disse Osmar da Silva, 43 anos, um vendedor de içás. “Mas é lenda”, ele disse, apesar de ter admitido, “eu nunca tive coragem de entrar em um cemitério para procurar lá”.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Do New York Times no UOL
já comi muito na minha infância, mas não vejo mais tanajura (inça) há mais de 20 anos!
ResponderExcluirGostaria muito de encontrar pra comer. Sou extremamente louco por inçá.
ResponderExcluirAhhhh ! se pudéssemos comprar ...
https://www.facebook.com/Tanajurass?fref=ts
ResponderExcluirinicio do ano terei iças quem quizer encomendar curte essa pagina que fiz só pra vendas de iças ou tanajuras
aqui no nordeste é tanajuras
Tanajura....Quanto tempo não te vejo ,quando tiver pra vender me avise pf
ExcluirGosto muito de tanajuras mas já tem muitos anos que não as vejo. Qual o dia e mes que elas aparecem?
ResponderExcluirQual o mês e o dia que as icas aparecem? Tem mais de 20 anos que não as vejo
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