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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Feliz e próspero 2019

Que 2019 seja o ano em que possamos recolocar o nosso querido Brasil no caminho do Amor, da Ordem e do Progresso!
AMOR, ORDEM E PROGRESSO

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Experts da tecnologia afastam seus filhos de tablets e celulares

Uso precoce dos aparelhos está ligado a deficits físico e cognitivo, ansiedade e depressão
Evitar totalmente o uso de celular e tablets 
é até mais fácil do que deixar apenas um pouquinho

As pessoas que estão mais perto de uma coisa geralmente são as mais cautelosas sobre ela. Experts em tecnologia sabem como os smartphones funcionam, e muitos decidiram que não os querem perto de seus filhos.

Um consenso que está em formação é que os benefícios das telas como ferramenta de aprendizado são exagerados, e os riscos de criar vício e atrasar o desenvolvimento se mostram altos.

Há um nível robusto de vidência mostrando que o uso de telas pode interferir no sono. Além disso, uso de telas está associado a deficit motor e cognitivo, além de obesidade, depressão e ansiedade. Hoje o debate no Vale do Silício, polo ultratecnológico, é sobre até onde a exposição às telas pode ser positiva.
Meninos e meninas brincam com celulares, sentados uns ao lado dos outros

Tirar totalmente o tempo de tela
 é até mais fácil do que deixar apenas um pouquinho, diz Kristin Stecher, especialista em computação social casada com um engenheiro do Facebook. “Quando meus filhos têm um pouco, eles simplesmente querem mais.”

Stecher, 37, e seu marido, Rushabh Doshi, pesquisaram sobre as telas e chegaram a uma conclusão: não querem nenhuma em sua casa. 

Suas filhas, de 5 e 3 anos, não têm horários determinados em que podem ficar diante de tablets ou smartphones. A única ocasião em podem ser usados é durante uma longa viagem de carro ou de avião. Às sextas à noite, a família assiste a um filme. 

Há um problema, segundo Stecher: seu marido, que tem 39 anos, adora videogames e acha que eles podem ser educativos. Ela discorda. “Vamos passar por isso quando chegar a hora”, disse ela, que está grávida de um menino. 

Mesmo criadores de vídeo andam horrorizados ao ver que a criança pode assisti-los em quase qualquer lugar.

Questionado sobre o limite de tempo de tela para uma criança, Hunter Walk, investidor que durante anos foi diretor de produtos do YouTube na Google, enviou uma foto de um penico com um iPad anexado e escreveu: “#produtosquenãocompramos’”.

Athena Chavarria, que trabalhou como assistente executiva no Facebook e hoje está na entidade filantrópica de Mark Zuckerberg, a Iniciativa Chan Zuckerberg, disse: “Estou convencida de que o diabo vive em nossos telefones e está causando um desastre em nossas crianças”. Ela só deixou seus filhos terem celulares no ensino médio, e até hoje proíbe seu uso no carro e impõe limites estritos em casa.

“Outros pais dizem: ‘Você não fica preocupada quando não sabe onde estão seus filhos quando não consegue encontrá-los?’ E eu digo: 

‘Não, eu não preciso saber onde meus filhos estão a cada segundo do dia’.”

Para alguns líderes tecnológicos, ver como as ferramentas que eles criaram afetavam seus filhos parecia um cobrança de contas de seu estilo de vida. Chris Anderson, ex-editor da revista Wired e hoje CEO de uma empresa de robótica e drones diz que “Na escala entre doces e crack, [as telas] estão mais perto do crack”

Os tecnólogos que constroem esses produtos e os jornalistas que observam a revolução tecnológica são ingênuos, segundo ele. “Pensamos que poderíamos controlá-la, mas isso está além de nosso poder. Vai diretamente aos centros de prazer do cérebro em desenvolvimento. Vai além de nossa capacidade de compreensão como pais comuns.”

Ele, que tem cinco filhos, impôs algumas regras, como nenhuma tela no quarto, bloqueio de conteúdo em rede; nada de rede social até os 13 anos; nada de iPad; e horários de tela geridos por meio do Google WiFi, que ele controla do seu telefone. Mau comportamento? A criança fica offline por 24 horas.

“Eu não sabia o que estávamos fazendo com seus cérebros até que comecei a observar os sintomas e as 
consequências”, disse Anderson.

“As cicatrizes falam. Nós fizemos todos os erros previstos e acho que agimos mal com alguns dos meus filhos”, afirmou. “Nós vislumbramos o abismo do vício, e houve alguns anos perdidos, dos quais nos arrependemos.”

Seus filhos estudaram numa escola particular que adotou iPads e lousas inteligentes só para “mergulhar no caos e depois recuar disso tudo”.

Essa ideia de que os pais do Vale do Silício, polo de desenvolvimento tecnológico nos EUA, são cautelosos sobre a tecnologia não é nova. “Vovôs techs” manifestaram essa preocupação anos atrás.

O CEO da Apple, Tim Cook, disse neste ano que não deixaria seu sobrinho entrar nas redes sociais. Bill Gates proibiu os celulares até que seus filhos chegassem à adolescência e Melinda Gates escreveu que gostaria de ter esperado mais. Steve Jobs não deixava seus filhos pequenos chegarem perto de iPads.

Mas no último ano uma série de “desertores” de alto nível do Vale do Silício têm dado o alarme em termos cada vez mais duros sobre o que esses instrumentos fazem com o cérebro humano. De repente, trabalhadores comuns do Vale do Silício estão obcecados. Casas sem tecnologia surgem por toda a região. Babás são solicitadas a assinar contratos que proíbem telefones. 

Os que expuseram seus filhos às telas tentam convencer os demais a deixar o vício explicando como a tecnologia funciona.

John Lilly, investidor da Greylock Partners no Vale do Silício e ex-CEO da Mozilla, disse que tenta ajudar seu filho de 13 anos a entender que está sendo manipulado pelos que criam a tecnologia. 

“Eu tento dizer que alguém escreveu o código [de programação] para fazê-lo se sentir de determinada maneira —tento ajudá-lo a entender como as coisas são feitas, os valores que são inseridos e o que as pessoas estão fazendo para criar esses sentimentos.” 

Há quem discorde, porém. Jason Toff, 32, que dirigiu a plataforma de vídeo Vine e hoje trabalha na Google, deixa seu filho de 3 anos brincar com o iPad, que na opinião dele não é melhor nem pior que um livro. Essa visão é bastante impopular entre seus colegas de trabalho, e agora ele diz sentir um certo estigma.

“As pessoas têm medo do desconhecido. Acho que estou falando por muitos pais que têm medo de falar em voz alta por temerem a opinião dos outros.”

Ele diz lembrar que na infância assistiu muita TV. “Acho que fiquei OK”.

Outros pais do Vale do Silício dizem que há formas de fazer um tempo de tela limitado ser um pouco menos prejudicial.

Renee DiResta, pesquisadora de segurança na diretoria do Centro para Tecnologia Humana, não permite tempo de tela passivo, mas pequenos períodos de tempo em jogos desafiadores. 

Ela quer que seus filhos, de 2 e 4 anos, aprendam a escrever em linguagem de programação o quanto antes, por isso aprova sua ligação com os gadgets. Mas ela diferencia entre os tipos de tempo de tela: um jogo de construção é permitido, mas assistir a um vídeo no YouTube, não, a menos que seja em família. 

E Frank Barbieri, executivo da startup PebblePost, em San Francisco, que rastreia a atividade online para enviar publicidade direta por email, tenta limitar o tempo de tela de sua filha de 5 anos a conteúdo em italiano.

Ele leu estudos segundo os quais aprender uma segunda língua em idade precoce é bom para o desenvolvimento da mente.

“Porque minha mulher e eu pensamos: ‘Para onde nós gostaríamos de viajar?’”, brinca.

Reportagem de Nellie Bowles no The New York Times
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

Publicado na Folha de São Paulo de 25/12/2018
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/12/experts-da-tecnologia-afastam-seus-filhos-de-tablets-e-telefones-celulares.shtml


quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Minas e o Brasil merecem o Novo

O 'café com leite estragado' PT-PSDB precisa acabar
As urnas no primeiro turno mostraram que os brasileiros e nós, mineiros, queremos mudanças radicais na política. Se a reforma política não foi feita adequadamente no Congresso, no voto dos parlamentares, a população brasileira mostrou que quer o novo, com suas escolhas nesta eleição.

A lógica fisiológica aproximou o PSDB do PT, dois partidos que se alternaram no poder tanto em Minas como no Brasil, se aliando às outras siglas que giram em torno desse sistema em que quem paga mais leva o apoio político. O resultado dessa política do "café com leite estragado" está aí: desemprego de milhões de pessoas.

Hoje, não só a população mineira, como a de outros estados, quer novos ares na política. Todos estão fartos das mordomias dos políticos, da insegurança pública, da deterioração dos serviços de saúde e educação e da redução do poder de compra da população. Sem contar a alta carga tributária, cuja maior parte está jogada nas costas dos empreendedores e do setor produtivo, que pagam a conta da velha política.

É urgente uma nova e eficiente forma de gestão pública, que priorize o equilíbrio das contas. É fundamental reduzir gastos com responsabilidade e austeridade, cortar com rigor cargos de indicação política e otimizar a estrutura administrativa com uma reforma que enxugue o tamanho da máquina pública, sem, no entanto, reduzir o atendimento às demandas da sociedade.

Temos presenciado em Minas muitas notícias falsas sobre nossa proposta de governo. Ao contrário do que estão dizendo, nunca afirmamos que passaríamos o monopólio estatal para o privado.

Nossa proposta é estabelecer parcerias público-privadas, pois o Estado sozinho, que está quebrado, não tem como arcar com todos os investimentos que são necessários. Vamos enfrentar velhos problemas com novas soluções!

A verdade é que, antes de falarmos de privatizações, concessões e outras parcerias público-privadas, precisamos resgatar a valorização do nosso Estado. Isso começa pela recuperação desse cenário de calamidade financeira e desrespeito com o funcionalismo, que vem recebendo salários parcelados.

Precisamos renegociar a dívida de Minas Gerais com a União, e acredito que a renovação também no governo federal vá permitir que Minas --assim como outros estados em situação de falência-- tenha condições de renegociar suas dívidas em âmbito federal.

O momento exige um jeito diferente de fazer política e somente pessoas com ideias novas têm condições de fazê-lo, sem o toma lá dá cá da velha política.

Os políticos de sempre --alguns, inclusive, "demitidos" nas urnas pelos eleitores no último dia 7-- não resolverão os problemas que eles mesmos criaram. Eles são o próprio significado do problema: corrupção, ineficiência, apadrinhamento.

Somos do Novo, mas não somos novatos em gestão. Queremos um governo que jogue no time do cidadão e não contra ele. Tenho 30 anos de experiência como gestor, com formação pela Fundação Getulio Vargas.

Eu me formei numa sexta-feira e, na segunda, já estava trabalhando.

Na minha trajetória, fui cobrador, frentista, balconista, estoquista, caixa, comprador, vendedor, analista de marketing, analista comercial, gerente. Nossa equipe transformou quatro lojas em mais de 450 lojas, gerando emprego e renda para mais de 5.000 pessoas.

Temos de inovar o jeito de governar. Por isso, o Brasil e Minas merecem o Novo. Acredito que a meritocracia e a eficiência de gestão no poder público sairão vencedores nas urnas neste domingo (28). Vamos retomar o orgulho de sermos mineiros.

Texto de Romeu Zema, candidato ao governo de Minas pelo Novo; empresário, formado em administração de empresas (FGV) na Folha de São Paulo de 24/10/2018

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/10/minas-e-o-brasil-merecem-o-novo.shtml

terça-feira, 21 de agosto de 2018

O imenso rombo potencial do Fies

O potencial de perdas de receitas com o Fies, com os financiamentos concedidos entre 2010 e 2016, é de impressionantes R$ 116 bilhões. Crédito educativo é bom, mas o programa foi mal desenhado, sua expansão teve inúmeras distorções e ele foi usado eleitoralmente em 2014 quando teve o recorde de novos contratos. Em tempos de promessas de candidatos, e de verdades contadas pela metade, é importante olhar o caso de um bom projeto que ficou insustentável pelos erros no desenho e gerenciamento.
A forte elevação do programa no governo Dilma teve relação direta com a campanha da reeleição. Os novos contratos estavam entre 30 mil ou 70 mil ao ano. Na primeira administração Dilma entraram numa escalada que levou a dar um salto de 10 vezes. Foi de 76 mil novos contratos no último ano Lula para 733 mil em 2014, ano eleitoral. Em 2015, ainda no governo da ex-presidente, caiu para 287 mil. Em 2017, o governo Temer o reformulou depois de um amplo estudo feito pelo Ministério da Fazenda que mostrou os erros.
Em 2010, foi criado o fundo garantidor e com base nisso o programa cresceu. O problema é que o fundo foi criado com a premissa errada. De que haveria uma taxa de inadimplência de 10%. No mundo inteiro é de 30%. No Brasil, se estima que os atrasos nos pagamentos dos empréstimos, entre 2010 e 2016, estejam entre 40% e 50%. Outro erro é que o calote era todo bancado pelo governo.
E, de novo, em vez de ser um programa para os pobres, incluiu não pobres e virou uma fonte garantida de receita para as universidades privadas. Os grupos maiores passaram a incentivar os alunos a procurar financiamento, porque achavam que isso reduziria o risco de não pagamento de mensalidades. Muito mais garantido era tudo ser pago por um fundo bancado pelo governo. Fizeram mais: aumentaram as mensalidades, cobrando mais dos beneficiários do programa. Virou uma bola de neve.
O número de alunos era de 200 mil entre 2002 e 2010. Pulou para quase dois milhões. Desses, 733 mil a mais só em 2014, não por acaso um ano eleitoral, em que este assunto foi objeto da campanha da reeleição. Os dados mostram que houve uma substituição de alunos pagantes por alunos financiados.
São vários os custos do Fies. Ele é 100% financiado com emissão de dívida pública. Quando o financiamento não é pago, vira despesa primária do Tesouro. E tem o custo financeiro do diferencial de juros. O orçamento do programa saiu de R$ 1,3 bilhão em 2010 para R$ 19 bilhões. O rombo potencial, se as projeções do calote se confirmarem, dá aquele valor escrito acima: R$ 116 bilhões.
O estouro do Fies aconteceu no início do segundo mandato, por isso começou a cair o número de novos financiados a partir de 2015. Em 2016, já no governo Temer, o Ministério da Fazenda fez um amplo estudo do programa. O desafio era como manter e fazê-lo sustentável. Foi criado um grupo de trabalho e durante seis meses foram chamados representantes das universidades privadas. Em seguida, ele foi alterado.
O Fundo Garantidor do Crédito Estudantil agora é bancado pelos dois lados. O governo fará um aporte único de R$ 2 bilhões, e daí para diante as universidades privadas terão que pôr dinheiro, e as que tiverem mais taxa de inadimplência farão aportes maiores. Isso as obriga a melhorar a capacidade de empregabilidade dos estudantes. Na contratação do empréstimo, a universidade tem que dizer quanto ele vai custar e qual será o indexador. Isso proíbe o aumento desordenado das mensalidades. E não poderá cobrar mais do aluno financiado que dos demais alunos. Além disso, foi colocado um teto no valor que pode ser cobrado A concessão nova caiu para 170 mil em 2017. Ainda há um passivo a ser digerido, mas o programa entrou em nova rota. A lição que fica é que a demagogia e o uso político transformam um bom programa numa bomba fiscal.
fies
Texto de Míriam Leitão n'O Globo 
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-imenso-rombo-potencial-do-fies.html

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Coalizão permitiu que Hitler subisse ao poder

Oitenta e cinco anos depois, alemães ainda buscam uma resposta sobre o que tornou possível ascensão do ditador, que nunca teve maioria dos votos 
Cena de dociumentário da cineasta alemã Leni Riefenstahl mostra multidão aclamando Hitler no Congresso de Nuremberg: políticos que negociaram a coalizão julgavam que poderiam manipulá-lo
Foto: Reprodução

Passados 85 anos, os alemães ainda buscam uma resposta sobre o que tornou possível a existência de uma ditadura como a que foi imposta por Adolf Hitler e o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, na sigla alemã). O pior capítulo da História do país começou em janeiro de 1933 com um governo de coalizão eleito democraticamente, embora sem maioria própria, por uma população cansada da falta de competência dos políticos para resolver os problemas graves do país, incluindo a crise econômica que havia transformado as ruas de Berlim em um campo de batalha diário.


— Sem o NSDAP, Hitler nunca teria conseguido se tornar o poderoso ditador capaz de iludir aliados e adversários em apenas poucos meses— diz o historiador Sven Felix Kellerhoff.

Kellerhoff, autor do livro “O NSDAP: Um partido e seus membros” (em tradução livre), foi o primeiro historiador a pesquisar o poder de sedução do partido. Com base em documentos do arquivo federal e depoimentos de membros do NSDAP, Kellerhoff traça uma imagem detalhada do partido que produziu o Führer.

Os depoimentos dos membros do partido nazista foram registrados pelo sociólogo polonês Theodore Fred Abel, que vivia nos Estados Unidos, em 1934. Durante muito tempo esquecidos, eles foram agora redescobertos, sendo que Kellerhoff foi o primeiro a analisar o material. Quase todos dizem que ingressaram no partido porque ele combatia os comunistas. Havia ainda o antissemitismo em comum e a esperança de que a situação econômica melhorasse.

Nas eleições do início de 1928, os nazistas conseguiram apenas 2,6%, um resultado que irritou o Hitler de tal forma que fez com que ele praticamente fugisse para a sua casa de férias na Baviera. Mas um ano depois, com a grave crise econômica, seis milhões de desempregados e o agravamento também da crise democrática, os alemães deixaram de acreditar na democracia da República de Weimar.

O povo ia às ruas para aplaudir as violentas SA, milícias paramilitares nazistas. O NSDAP crescia em adeptos de forma fulminante, tendo alcançado 37,4% dos votos no final de 1932.


Jovens, uniformizados e dispostos à violência sem compromisso, os membros do partido transmitiam à população a ideia do sentimento nacional do povo unido contra os judeus e os comunistas. Essa encenação da violência nas ruas alemãs fez aumentar rapidamente a popularidade do partido, que nunca conseguiu, no entanto, a maioria absoluta.

Quando o general Kurt von Hammerstein-Equord percebeu que Hitler estava a caminho do poder, em janeiro de 1933, tentou desesperadamente com o presidente Paul von Hindenburg e o então chanceler Kurt von Schleicher a convocação de uma “situação de emergência” para evitar o governo liderado pelos nazistas.

— Sete dias antes de Hitler ser indicado chanceler, Schleicher queria a dissolução do Parlamento pelo presidente e a convocação de novas eleições. A recusa do presidente acabou com as chances de execução do plano — afirma o historiador Heinrich August Winkler, autor do livro “Weimar 1918-1933”, a ser lançado em breve.

Hindenburg, por sua vez, foi influenciado pelo então ex-chanceler Franz von Papen, que preferia Hitler na posição do que o adversário Schleicher, que havia lhe sucedido no cargo. Ele planejava instrumentalizar o “soldado boêmio”, como Hitler era chamado, e voltar ao poder.

Segundo o historiador Andreas Sander, todos os políticos que tentaram combater ou manipular o ditador foram derrotados. Entre eles estavam Gregor e Otto Strasser, membros do partido nazista que defendiam uma linha mais anticapitalista, o que não era aceito por Hitler.

Os políticos que negociaram a coalizão do Führer julgavam que poderiam manipulá-lo para tornar possível a volta da monarquia, abolida em 1918. Só mais tarde, quando foi aprovada no Parlamento uma lei que dava a Hitler poderes absolutos, perceberam que tinha acontecido exatamente o contrário. O ditador tinha usado esses políticos para conseguir a sua meta.

Schleicher e Gregor Strasser foram executados na operação chamada de Noite das Longas Facas. Hoje, Kellerhof observa preocupado o crescimento do partido de extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha):

— Por sorte ele não dispõe de um Hitler, nem de um Goebbels, mas há paralelos. O antissemitismo do NSDAP é hoje o ódio aos muçulmanos, por exemplo. 

Texto de Graça Magalhães - Ruether n'O Globo de 20/08/2018

https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/coalizao-permitiu-que-hitler-subisse-ao-poder-22990578

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Vitória de brasileiro cria marco contra deportações nos EUA

Wescley Pereira ganhou direito de pedir cidadania com decisão do Supremo
O faz-tudo Wescley Pereira, 37, não está interessado em falar com a imprensa. Após cinco anos de uma batalha legal nos EUA para evitar a deportação, o mineiro que mora na ilha de Martha’s Vineyard (Massachusetts) prefere seguir a vida ao lado das duas filhas americanas e da esposa brasileira.
Mas a decisão da Suprema Corte americana envolvendo Pereira pode ter aberto o mais importante precedente em anos para que milhares de imigrantes busquem a cidadania americana, ao mesmo tempo em que ameaça mergulhar o sistema judicial americano no mais profundo caos.
Por 8 votos a 1, os juízes da máxima instância dos EUA decidiram, no final de junho, que o governo americano não pode enviar notificações para imigrantes comparecerem à audiência de deportação sem marcar dia e local para que esse encontro ocorra, como aconteceu com o brasileiro.
Entre outros efeitos, essa comunicação tinha o poder de congelar a contagem do tempo que um imigrante ilegal passava nos EUA.
Com dez anos contínuos no país, seria possível pedir o chamado cancelamento de remoção, mediante cumprimento de outras condições como pagamento de impostos, e requisitar a cidadania.
No caso de Pereira, ele estava havia seis anos nos EUA quando a notificação foi emitida sem data nem local fixados —as informações só foram enviadas quase 18 meses depois, e o caso só chegou a Justiça em março de 2013.
Por causa do procedimento falho do governo, a Suprema Corte também cancelou o congelamento do tempo corrido, o que significa que ele poderá pedir a cidadania (ele já está há 18 anos no país).
A decisão abre caminho para que milhares de imigrantes que receberam esses avisos incompletos entrem com o mesmo pedido na Justiça americana, diz o advogado David Zimmer, que representou o brasileiro.
“Você tem milhares de pessoas em situação semelhante à de Pereira e que não se qualificavam para pedir cancelamento de remoção por causa da notificação e agora poderão solicitá-la porque [com a nova decisão] o tempo não parou de correr”, afirma.
Kari Hong, professora assistente da Escola de Direito do Boston College, avalia que o caso é “um dos mais impactantes decididos em anos.”
“Ainda está sendo pouco valorizado, e pouca gente percebe o presente que foi para os imigrantes e as implicações para uma reforma do sistema de imigração. Vai afetar milhares ou dezenas de milhares de imigrantes”, estima.
O advogado Jesse Bless, do escritório especializado em imigração Jeff Goldman, diz que em torno de 200 casos dos que ele cuida podem se beneficiar da decisão. “A oportunidade é gigantesca”, afirma.
Segundo ele, mesmo deportados podem pedir revisão do processo, se a notificação tiver sido incompleta.
Hong diz que a notificação sem data e local para audiência viola “o que o Congresso e a Constituição estabelecem”. “Em vez de dizer que o imigrante tinha uma audiência, havia um intervalo que podia chegar a sete anos até que essa data fosse marcada. O governo não pode fazer isso, é o que a Suprema Corte diz agora”, afirma.
Essa prática é comum e originada numa falha de comunicação básica: os sistemas do Departamento de Segurança Doméstica, que emite as notificações, e os tribunais de imigração, que julgam os casos, não conversam.
Com isso, o departamento não tem acesso ao calendário das cortes para poder marcar dia e local das audiências.
Em sua decisão, a juíza Sonia Sotomayor afirmou que, dado o avanço tecnológico dos softwares hoje em dia, “é difícil imaginar por que o Departamento de Segurança Doméstica e os tribunais não possam trabalhar juntos para agendar audiências antes de mandar as notificações de comparecimento.”
A decisão já começa a influenciar o sistema jurídico americano. Em um caso recente no estado de Washington, um fazendeiro mexicano ameaçado de deportação por ter entrado novamente nos EUA teve o processo derrubado por causa da jurisprudência do caso envolvendo Pereira.
A possibilidade de que milhares de imigrantes recorram com base na decisão envolvendo o brasileiro também deve colocar mais pressão sobre os tribunais de imigração, que já estão no limite para julgar os muitos casos que continuam a chegar todos os dias.
“Não temos juízes suficientes para julgar os casos. Os que têm já estão sobrecarregados por processos que duram, em algumas situações, 20 anos. Não há apoio administrativo”, avalia Hong.
A decisão do Supremo é definitiva, afirma Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, centros de estudo sobre América Latina nos Estados Unidos.
“A única questão é como o caso será interpretado pelos juízes: de forma ampla, beneficiando imigrantes nas mais diversas situações, ou limitada.”
Se depender do presidente americano, Donald Trump, o cenário deve continuar conturbado. Em junho, em discurso a empresários, o republicano rejeitou contratar mais juízes e defendeu fechar a fronteira com o México para deter a imigração ilegal.
“Eles querem contratar milhares e milhares de juízes. Quem são essas pessoas?”, criticou. “Nós não queremos juízes, queremos segurança na fronteira.”
Há, segundo a maior parte das estimativas atuais, cerca de 11 milhões de imigrantes irregulares nos EUA. “Uma pessoa poderia levar 50 anos para conseguir uma audiência com a atual estrutura”, diz Hong.

VISTO DE TURISTA

Wescley Pereira entrou nos Estados Unidos em junho de 2000, aos 19 anos, com visto de turista que expirava em dezembro do mesmo ano. Desde então, estava irregular no país.
Em 2006, ele foi preso em Massachusetts por dirigir embriagado, o que desencadeou o processo de deportação. Em maio de 2006, ele recebeu uma notificação para comparecer em audiência, mas sem data nem local para acontecer.
Mais de um ano depois, em 2007, o tribunal de imigração mandou pelos Correios para Pereira uma notificação com data e local para a audiência inicial, mas a comunicação foi enviada para o endereço errado e voltou ao remetente.
Pereira não compareceu na data estabelecida e a corte ordenou a deportação à revelia. Em 2013, o brasileiro violou outra regra de trânsito e foi detido pelo Departamento de Segurança Doméstica. O tribunal de imigração decidiu, então, reabrir o processo de deportação após Pereira provar que nunca recebeu a notificação de 2007.
Com 13 anos de estada nos EUA, ele decidiu pedir o cancelamento de remoção. Alegou que a notificação de 2006 não congelava o tempo passado nos EUA por carecer de data e local de audiência. A Suprema Corte concordou.

Reportagem de Danielle Brant e Júlia Zaremba na Folha de São Paulo de 17/08/2018

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/vitoria-de-brasileiro-cria-marco-contra-deportacoes-nos-eua.shtml

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Depoimento de jovem vítima de crime exige atenção e cuidados especiais

Com entrada em vigor prevista para 6 de abril de 2018, a Lei 13.431/17 criou e regulamentou o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

Tendo por fundamento o princípio constitucional da prioridade absoluta da tutela dos direitos das crianças, adolescentes e jovens (artigo 227 da Constituição) e os documentos internacionais correlatos, a nova lei trata dos direitos específicos que gozam as crianças e adolescentes que se encontrem na condição de vítimas ou testemunhas de violência.

A principal inovação trazida pelo legislador foi a determinação de que essas crianças e adolescentes sejam sempre ouvidos por meio dos procedimentos de escuta especializada e depoimento especial.

Toda violência cometida no meio social dispara uma cadeia de procedimentos que correm paralelamente em inúmeros órgãos. Esses procedimentos objetivam desde a proteção da vítima (por exemplo, encaminhamento médico e atendimento por órgãos assistenciais) até a busca pela punição do autor (por exemplo, realização de perícias médico-legais e colheita de depoimentos). Ocorre que, não raras vezes, tais procedimentos submetem as vítimas a novos sofrimentos. Isso ocorre,por exemplo, quando são chamadas a relatar o evento traumático individualmente para cada um desses profissionais, tendo que relembrar e reviver a violência inúmeras vezes.

Essa violência praticada pelos órgãos de atendimento caracteriza a chamada violência institucional[1]. Nas palavras da psicanalista Giselle Câmara Groeninga, ela se constitui em “um tipo especial de violência psicológica, com procedimentos desconexos que causam novos traumas”[2]. Este processo mostra-se especialmente preocupante quando estamos diante de crianças e adolescentes que, pela condição de seres em formação, poderão restar especialmente prejudicados em seu desenvolvimento psíquico e emocional.

Com o objetivo de evitar a violência institucional, a lei determina aos órgãos de saúde, assistência social, educação, segurança pública e justiça que, diante de uma revelação espontânea de violência por criança ou adolescente, eles deverão adotar os procedimentos necessários para que o relato seja confirmado por meio da escuta especializada e/ou depoimento especial. Por consequência, caso um profissional não possua a capacitação necessária, deverá se abster de proceder a qualquer questionamento ao menor, devendo encaminhá-lo a profissional capacitado[3].

A intenção de evitar que crianças e adolescentes sejam submetidos a reiteradas entrevistas fica evidente quando o legislador estabelece como direito fundamental das crianças e adolescentes “ser resguardado e protegido de sofrimento, com (...) limitação das intervenções”.

A despeito da justificada preocupação do legislador, faz-se essencial registrar a importância de se respeitar o desejo de verbalização da vítima ou testemunha. Nunca deverá o profissional, sob pretexto de proteção, fazer calar o relato espontâneo e desejado. Ao contrário, deverá ouvir atentamente e registar de forma pormenorizada a narrativa e as expressões que foram utilizadas pelo menor. É direito da criança e do adolescente expressar suas visões, opiniões e desejos. Não cabe ao adulto ditar exclusivamente “o que deva ser o superior interesse da criança, porque é o próprio sujeito do interesse que deve ser legitimado a falar por si”. (MELO, 2016, p. 62)

Observe-se, que uma das mais importantes providências para se evitar a violência institucional é o estreitamento da relação entre os serviços de proteção existentes, com otimização dos fluxos de atendimento e criação de uma rede de proteção coesa e dialógica[4].

Na prática, diante das dificuldades em integrar os vários órgãos da rede, diversas localidades têm implementado centros de atendimento integrados, que congregam,em um mesmo espaço físico, vários dos serviços da rede de proteção.

Nos Estados Unidos já existem cerca de 900 centros integrados. Eles adotam o modelo do Children´s Advocacy Center (CAC),primeiro centro integrado do país, criado em 1985. Este modelo inspirou inúmeros outros países e, diante da expansão, foi criado o National Children´s Alliance, “organização social de acreditação e registro dos serviços que adotam o modelo CAC” (SANTOS, 2017).

Escuta especializada
A escuta especializada consiste no procedimento de entrevista da criança ou adolescente pelo profissional do órgão da rede de proteção (como órgãos de saúde, educação, assistência social, segurança pública), e que deverá se limitar ao estritamente necessário para o cumprimento de sua finalidade.

Caberá a cada um desses órgãos realizar uma reflexão sobre sua finalidade institucional e sobre quais informações são indispensáveis para atingi-la. Questionamentos impertinentes não deverão ser formulados às crianças e adolescentes.

Assim, a título de exemplo, caso a vítima seja encaminhada ao Instituto Médico Legal para realização de exame pericial de conjunção carnal ou atos libidinosos diversos, cuja finalidade é constatar vestígios materiais do crime sexual (como lesões), não deverá o médico perquirir sobre detalhes menos importantes da ocorrência. O histórico, item da estrutura básica do laudo pericial, deverá ser confeccionado somente com as informações essenciais à realização do exame, as quais preferencialmente deverão ser fornecidas pela autoridade requisitante.

Nesse sentido, temos que todo encaminhamento realizado entre órgãos da rede de proteção “deve incluir o registro do atendimento (...), incluindo o relato espontâneo da vítima e informações eventualmente coletadas com os responsáveis ou acompanhante, evitando-se revitimização em decorrência da repetição dos fatos” (SANTOS, 2017).

O objetivo principal é que “a intervenção se atenha ao estritamente necessário para o encaminhamento seguinte, evitando a ampliação do sofrimento, bem como o conflito de versões que a repetição exaustiva dos fatos vivenciados pode gerar” [5],

A lei não traz forma pré-determinada para a realização da escuta especializada, fazendo-nos concluir que se trata de procedimento informal, não havendo sequer a exigência de redução a termo da entrevista. Contudo, entendemos extremamente importante que toda interação mantida com a criança ou adolescente seja registrada. Esse registro servirá para preservar termos e expressões usados nos relatos iniciais e permitirá a verificação de eventuais contaminações ou alterações da narrativa.

Depoimento especial
O depoimento especial é o procedimento de escuta de crianças e adolescentes perante a autoridade policial ou judiciária, devendo ser conduzido por profissional especializado. O procedimento deverá ser regido por protocolos, tramitará em segredo de justiça e seu registro será feito em áudio e vídeo.

A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos parâmetros de escuta de crianças e adolescentes em situação de violência, traz o seguinte conceito:

(...) procedimento realizado pelos órgãos investigativos de segurança pública, com a finalidade de coleta de evidências dos fatos ocorridos no âmbito de um processo investigatório e pelo sistema de Justiça para responsabilização judicial do suposto autor da violência.

A maior distinção entre a escuta especializada e o depoimento especial encontra-se na profundidade e extensão dos questionamentos que serão feitos à vítima ou testemunha. Durante a persecução penal faz-se necessária a obtenção do maior número de detalhes do fato e, por tal razão, esta oitiva será muito mais longa e detalhada.

Depoimento especial perante a autoridade policial
Os órgãos policiais comumente são os primeiros a ter contato com o fato criminoso, sendo essencial, para o desenvolvimento da atividade investigativa,que rapidamente se obtenha o relato das vítimas e das testemunhas sobre suas recordações. É a partir desses relatos que a autoridade policial delineia os atos de investigação que serão realizados. A depender da narrativa apresentada, será ou não necessário o encaminhamento da vítima ao IML, a apreensão de peças de roupa, a localização de filmagens em câmeras de segurança, etc.

A própria lei determina, em seu artigo 22, que os órgãos policiais envidarão esforços investigativos para que o depoimento especial não seja o único meio de prova para o julgamento do réu. É exatamente para otimização da coleta de provas materiais que se mostra essencial a oitiva das vítimas e testemunhas logo após o crime.

A rapidez na realização da oitiva da vítima é também importante para a não ocorrência da vitimização secundária[6]. Conforme esclarece a Comissão Permanente da Infância e Juventude, “(...) o decurso do tempo, a demora na escuta e na solução do caso são especialmente danosos às crianças e adolescentes vítimas (...) por impedir que estas possam superar, da forma mais rápida possível, os traumas decorrentes da violência sofrida”.[7]

Um terceiro aspecto que evidencia a necessidade de imprimirmos celeridade na realização dessa escuta é a fragilidade da memória, especialmente das crianças e adolescentes. Conforme bem expressa Guilherme de Souza Nucci (2017), “a mente (e a memória) infanto-juvenil trabalha com fantasias e ficções, que podem mesclar-se com o fato ocorrido quanto mais o tempo passar”.

Assim, embora o artigo 11 deixe claro que o depoimento especial será preferencialmente realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, nosso entendimento é que sempre que a estrutura do Poder Judiciário local não permitir que o depoimento especial judicial seja realizado de forma imediata ou pelo menos em curtíssimo prazo, estará autorizada a realização do depoimento especial policial.

Existem, contudo, duas situações em que a lei determina, de forma taxativa, que seja realizado o depoimento especial judicial, seguindo-se o rito cautelar de antecipação de prova. Tal ocorrerá quando a vítima for criança menor de sete anos (artigo 11, parágrafo 1°, I) e nos casos de violência sexual (artigo 11, parágrafo 1°, II) independentemente da idade da vítima.

Todavia, mesmo nas hipóteses do parágrafo 1° do artigo, sempre poderá a autoridade policial, enquanto integrante da rede de proteção, realizar escuta especializada. Essa entrevista terá como finalidade específica determinar as diligências investigativa se protetivas urgentes, tal como eventual representação pela prisão do suspeito.

Acerca da forma do depoimento especial policial, temos que também deverá seguir, no que for cabível, o procedimento trazido pelo artigo 12. Assim, deverá ser conduzido por profissionais especializados e gravado em áudio e vídeo.

Por ausência de exigência legal, não vislumbramos essencial que no depoimento especial perante a autoridade policial seja garantida ampla defesa do investigado, prevista pelo artigo 11 exclusivamente para os casos de depoimento especial em sede de produção antecipada de prova judicial.

Depoimento especial perante a autoridade judiciária
Conforme dito, sempre que possível, o depoimento especial será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado.

A prova antecipada consiste na prova produzida perante o juiz,com a observância do contraditório real, antes de seu momento processual oportuno ou até mesmo antes de iniciado o processo (durante a fase investigativa).

Embora o “caput” do artigo 11 traga o depoimento especial judicial como não obrigatório, devendo ser adotado “sempre que possível”, o parágrafo 1° traz duas situações em que esse procedimento deverá necessariamente ser observado, quais sejam: quando se tratar de criança com menos de sete anos de idade ou quando estivermos diante de violência sexual.

Ademais, embora o artigo 11 indique que excepcionalmente poderá ser realizado um segundo depoimento especial judicial, seu parágrafo 2° veda nova oitiva quando a autoridade competente não houver justificado sua imprescindibilidade ou quando não houver a concordância da vítima, da testemunha ou de seu representante legal.

O depoimento especial judicial será transmitido em tempo real para a sala de audiência e, ao final da narrativa, caberá juiz consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos acerca da existência de perguntas complementares. Caso julgue pertinentes as perguntas, as encaminhará em bloco para o profissional especializado que estará com a criança na sala especial.

Importante registrar que a lei traz que é direito das crianças e dos adolescentes que assim desejarem, prestar seu depoimento diretamente ao juiz, hipótese em que a autoridade judiciária poderá realizar o afastamento do autor da violência da sala de audiência para proceder à escuta.

Aspectos procedimentais do depoimento especial
O depoimento especial será conduzido por profissional especializado que inicialmente deverá esclarecer à criança ou ao adolescente os procedimentos que serão realizados e quais são seus direitos, procedendo ao planejamento de sua participação.

Lembramos, nesse ponto, que a lei estabelece que as crianças e adolescentes têm o direito de permanecer em silêncio (artigo 5º, inciso VI). Assim, embora o Código de Processo Penal preveja que as testemunhas com idade entre 14 e 18 anos sejam compromissadas a dizer a verdade do que souberem e lhes for perguntado (artigos 203 e 208 do CPP), caso o adolescente opte por permanecer em silencio, não cometerá ato infracional análogo ao crime de falso testemunho (artigo 342 do Código Penal).Ante o exercício regular de direito, incidirá a excludente de ilicitude prevista no artigo 23, III do Código Penal.

Realizados os esclarecimentos iniciais, o profissional deverá permitir que a criança ou o adolescente realize a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo intervir, quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos.

Embora a lei preveja que o profissional “poderá” adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente, entendemos que há obrigatoriedade nesta adaptação. Diante da utilização de linguagem incompatível, a vítima ou testemunha poderá omitir informações importantes simplesmente por não haver compreendido plenamente os questionamentos formulados.

Observe-se que é importantíssimo que a atuação do profissional especializado se baseie nas “metodologias mais avançadas e testadas cientificamente, que garantem rigor técnico e qualidade da prova coletada, para que a escuta e/ou o depoimento não tenha sugestionamentos, direcionamentos ou contaminação da memória (...)” (SANTOS, 2018, p. 17).

Existem inúmeros protocolos de oitiva de crianças e adolescentes, como o Guia de Entrevista Infantil do Centro Médico Harborview do Estado de Washington (Estados Unidos); o procedimento de entrevista cognitiva (entrevista forense); o Protocolo NICHD (Protocolo de Entrevista Investigativa Estruturada do National Institute of Child Health and Human Development); o Protocolo de Entrevista Forense Ratac (da organização não governamental americana CornerHouse); e os protocolos de entrevista forense e de entrevista forense estendida NCAC (National Children’s Advocacy Center).

Conforme expõe Vanea Maria Visnievski (2014), todos esses documentos possuem muitos pontos de convergência:

"A maioria dos protocolos de entrevista investigativa tem os mesmos fundamentos: evitar perguntas sugestivas; fazer perguntas abertas; permitir relato livre; tratar o entrevistado com cordialidade e estabelecer confiança. (...) Verifica-se ainda que esses protocolos de entrevista desenvolvem-se, essencialmente, em três fases: 1) acolhimento do entrevistado, fase conhecida também como rapport ou preparação; 2) obtenção de relato do fato, que implica na recordação do entrevistado; 3) fechamento ou finalização da entrevista, de maneira que o entrevistado saia com sentimentos positivos

Texto de Lívia Graziela Pini no CONJUR, 
delegada de polícia da Polícia Civil do Paraná, titular de Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente.

[1] Nominada pela vitimologia como vitimização secundária.

[2] Lei 12.431 tem longo caminho para ser efetiva sem causar injustiças. Revista Consultor Jurídico, abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2017.

[3] Caso não o faça, poderá receber as sanções da Lei 8.069/90 (artigo 4º, parágrafo 4°).

[4]O que é incentivado pela lei, conforme previsão do parágrafo 1° do artigo 4º e dos artigos 10 e 14.

[5] BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Parâmetros de escuta de crianças e adolescentes em situação de violência. Brasília, DF, 2017. Disponível em: , Acesso: 03 fev. 2017.

[6] “(...) impacto produzido na vítima pelas próprias instituições responsáveis pela prevenção e pela persecução do delito (...). A falta de uma resposta rápida e eficaz (...), a distância, os horários, a falta de pessoal especializado, (...) reiteradas intimações, (...), a submissão a excessivos exames e perícias, a demora na finalização do processo, a falta de informação (...)” (MELO, 2016. p. 72).

[7] Nota técnica 01/2015 da Comissão Permanente da Infância e Juventude do Grupo Nacional de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça sobre Depoimento Especial de crianças e adolescentes vítimas de violência.Disponível em: . Acesso: 14 out. 2017.

Do blog CONJUR
https://www.conjur.com.br/2018-fev-18/livia-pini-sadsddssdsd