Oitenta e cinco anos depois, alemães ainda buscam uma resposta sobre o que tornou possível ascensão do ditador, que nunca teve maioria dos votos
Passados 85 anos, os alemães ainda buscam uma resposta sobre o que tornou possível a existência de uma ditadura como a que foi imposta por Adolf Hitler e o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, na sigla alemã). O pior capítulo da História do país começou em janeiro de 1933 com um governo de coalizão eleito democraticamente, embora sem maioria própria, por uma população cansada da falta de competência dos políticos para resolver os problemas graves do país, incluindo a crise econômica que havia transformado as ruas de Berlim em um campo de batalha diário.
— Sem o NSDAP, Hitler nunca teria conseguido se tornar o poderoso ditador capaz de iludir aliados e adversários em apenas poucos meses— diz o historiador Sven Felix Kellerhoff.
Kellerhoff, autor do livro “O NSDAP: Um partido e seus membros” (em tradução livre), foi o primeiro historiador a pesquisar o poder de sedução do partido. Com base em documentos do arquivo federal e depoimentos de membros do NSDAP, Kellerhoff traça uma imagem detalhada do partido que produziu o Führer.
Os depoimentos dos membros do partido nazista foram registrados pelo sociólogo polonês Theodore Fred Abel, que vivia nos Estados Unidos, em 1934. Durante muito tempo esquecidos, eles foram agora redescobertos, sendo que Kellerhoff foi o primeiro a analisar o material. Quase todos dizem que ingressaram no partido porque ele combatia os comunistas. Havia ainda o antissemitismo em comum e a esperança de que a situação econômica melhorasse.
Nas eleições do início de 1928, os nazistas conseguiram apenas 2,6%, um resultado que irritou o Hitler de tal forma que fez com que ele praticamente fugisse para a sua casa de férias na Baviera. Mas um ano depois, com a grave crise econômica, seis milhões de desempregados e o agravamento também da crise democrática, os alemães deixaram de acreditar na democracia da República de Weimar.
O povo ia às ruas para aplaudir as violentas SA, milícias paramilitares nazistas. O NSDAP crescia em adeptos de forma fulminante, tendo alcançado 37,4% dos votos no final de 1932.
Jovens, uniformizados e dispostos à violência sem compromisso, os membros do partido transmitiam à população a ideia do sentimento nacional do povo unido contra os judeus e os comunistas. Essa encenação da violência nas ruas alemãs fez aumentar rapidamente a popularidade do partido, que nunca conseguiu, no entanto, a maioria absoluta.
Quando o general Kurt von Hammerstein-Equord percebeu que Hitler estava a caminho do poder, em janeiro de 1933, tentou desesperadamente com o presidente Paul von Hindenburg e o então chanceler Kurt von Schleicher a convocação de uma “situação de emergência” para evitar o governo liderado pelos nazistas.
— Sete dias antes de Hitler ser indicado chanceler, Schleicher queria a dissolução do Parlamento pelo presidente e a convocação de novas eleições. A recusa do presidente acabou com as chances de execução do plano — afirma o historiador Heinrich August Winkler, autor do livro “Weimar 1918-1933”, a ser lançado em breve.
Hindenburg, por sua vez, foi influenciado pelo então ex-chanceler Franz von Papen, que preferia Hitler na posição do que o adversário Schleicher, que havia lhe sucedido no cargo. Ele planejava instrumentalizar o “soldado boêmio”, como Hitler era chamado, e voltar ao poder.
Segundo o historiador Andreas Sander, todos os políticos que tentaram combater ou manipular o ditador foram derrotados. Entre eles estavam Gregor e Otto Strasser, membros do partido nazista que defendiam uma linha mais anticapitalista, o que não era aceito por Hitler.
Os políticos que negociaram a coalizão do Führer julgavam que poderiam manipulá-lo para tornar possível a volta da monarquia, abolida em 1918. Só mais tarde, quando foi aprovada no Parlamento uma lei que dava a Hitler poderes absolutos, perceberam que tinha acontecido exatamente o contrário. O ditador tinha usado esses políticos para conseguir a sua meta.
Schleicher e Gregor Strasser foram executados na operação chamada de Noite das Longas Facas. Hoje, Kellerhof observa preocupado o crescimento do partido de extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha):
— Por sorte ele não dispõe de um Hitler, nem de um Goebbels, mas há paralelos. O antissemitismo do NSDAP é hoje o ódio aos muçulmanos, por exemplo.
Texto de Graça Magalhães - Ruether n'O Globo de 20/08/2018
https://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/coalizao-permitiu-que-hitler-subisse-ao-poder-22990578
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