'Curió', o herói da ditadura
O major do Araguaia sabe o que aconteceu há 40 anos naquele fim de mundo, tomara que conte
Sete procuradores tentaram processar o tenente-coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o "Major Curió", pelo sequestro, há quarenta anos, de cinco prisioneiros na região do Araguaia. Ex-oficial do Centro de Informações do Exército, ex-agente do SNI, ex-prefeito de Curionópolis (eleito pelo PMDB) e ex-deputado federal, ele é um dos personagens emblemáticos da anarquia da ditadura. Começou sua carreira em 1973, no extermínio da Guerrilha do Araguaia, iniciativa do PC do B que começou com a fuga do chefe político e terminou com a fuga do chefe militar. Transformado em condestável da maior mina de ouro a céu aberto do mundo, em Serra Pelada, em 1984 liderou a maior revolta popular ocorrida na região. Mobilizando dezenas de milhares de garimpeiros, dobrou o governo federal.
Curió já foi comparado ao mítico Kurtz, personagem de "No Coração das Trevas", de Joseph Conrad, recriado por Francis Ford Coppola no Marlon Brando de "Apocalypse Now". Algum dia aparecerá alguém capaz de mostrar o Macunaíma que há nesse Kurtz tropical que virou nome de cidade. Ele começa participando de uma matança, torna-se monarca numa mina e, aos 78 anos, é um patriarca municipal e megalomaníaco.
Não se sabe se "Curió" participou das execuções de que é acusado, mas ele conhece como poucos a história do Araguaia. Atribuem-lhe dois valiosos vazamentos de informações sobre a ação do Exército. Curió tornou-se o mais conhecido entre os oficiais, mas nunca comandou a operação. Era detestado pelos militares, que viam nele um oportunista.
"Curió" poderia ser um precioso depoente. Os comandantes militares dizem que os documentos do Araguaia foram destruídos. Meia verdade. É possível saber quais foram os cabos, sargentos e oficiais mandados para lá. Basta requisitar a documentação das concessões de Medalhas do Pacificador entre 1973 e 1975. Nem todos aqueles que as receberam estiveram no Araguaia e muitos foram condecorados por relevantes serviços, mas todos os que lá estiveram as receberam. Nesses papéis estão registradas as épocas em que lá serviram. Quem chegou àquele fim de mundo depois de outubro de 1973 sabe que a ordem, vinda de Brasília, era de matar todo mundo. Executaram os prisioneiros, inclusive aqueles que acreditaram em folhetos que os convidavam à rendição. Foram cerca de 50 pessoas, na maioria jovens.
"Curió" pode ter executado prisioneiros, mas não foi o único a fazê-lo e quem o fez estava cumprindo ordens. De quem? Dos presidentes Emílio Médici e Ernesto Geisel, e dos ministros do Exército: Orlando Geisel, Dale Coutinho e Silvio Frota. Por terem cumprido essa e outras ordens, "Curió" e os demais combatentes do Araguaia receberam a medalha.
De Elio Gaspari na Folha de São Paulo de 18/03/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário