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sábado, 1 de outubro de 2011
A justiça e os bandidos de toga
Justiça sofre com 'bandidos de toga', afirma corregedora
A ministra Eliana Calmon atacou iniciativa de juízes de reduzir poder do conselho que fiscaliza o Judiciário
Advogados pressionam CNJ a adiar julgamento de processos que podem resultar em punição de magistrados suspeitos
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, fez duros ataques a seus pares ao criticar a iniciativa de uma entidade de juízes de tentar reduzir o poder de investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
"Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga", declarou em entrevista à APJ (Associação Paulista de Jornais).
O STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar amanhã ação proposta pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) restringindo poder de fiscalização do CNJ.
A associação pede que o CNJ só atue depois de esgotados os trabalhos das corregedorias regionais.
Na entrevista, Eliana Calmon criticou a resistência dos tribunais a serem fiscalizados pelo CNJ, citando o Tribunal de Justiça de São Paulo:
"Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ", disse a corregedora.
Nos últimos dias, acusados de irregularidades tentaram evitar seus respectivos julgamentos antes de o STF se pronunciar sobre o CNJ.
O conselho, por sua vez, incluiu em sua pauta de discussão 11 processos que podem punir magistrados por conduta irregular.
Se somados, o CNJ terá mais de 20 casos de juízes investigados na pauta de julgamento neste mês.
Este ano, houve uma guerra velada que colocou em lados opostos Eliana Calmon e o presidente do CNJ e do STF, ministro Cezar Peluso.
O conselho começou a funcionar em 2005 e já condenou 49 magistrados. Recentemente, porém, ministros do Supremo concederam liminares suspendendo decisões do CNJ que determinavam o afastamento de magistrados.
ZVEITER
Ontem, o CNJ adiou o julgamento do presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, Luiz Zveiter.
Segundo Eliana Calmon, o adiamento aconteceu a pedido do advogado de Zveiter, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, que está fora do país.
As supostas irregularidades ocorreram no ano passado, quando Zveiter era presidente do Tribunal de Justiça.
O caso foi a plenário em fevereiro, quando três conselheiros foram favoráveis ao afastamento e à abertura de processo disciplinar. Saiu da pauta para análise de suspeição de dois conselheiros.
Segundo a corregedoria, há indícios de que informações prestadas por Zveiter beneficiaram a construtora RJZ Cyrela, cliente do escritório de parentes seus. Zveiter, o escritório e a Cyrela afirmam que o terreno em disputa não tem relação com empreendimentos da construtora.
Da Folha de São Paulo de 27/09/2011
Os dentes do CNJ
Julgamento no Supremo dos limites do Conselho Nacional de Justiça será decisivo para manter avanços na transparência do Judiciário
Está na pauta de hoje do Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que vai definir o futuro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na prática, os ministros do Supremo decidirão se o CNJ tem condições de corresponder à expectativa da sociedade e enfrentar os desvios no Judiciário ou se fará apenas um papel decorativo no jogo de poder da Justiça brasileira.
O Conselho Nacional de Justiça foi criado em 2004, na Reforma do Judiciário, em um momento em que o Poder sofria com as revelações de uma CPI e enfrentava escândalos como o do Fórum Trabalhista de São Paulo, que deu projeção nacional -negativa- ao ex-juiz Nicolau dos Santos Neto.
O CNJ teve um importante efeito moralizador. Desde então, buscou combater a morosidade e a ineficiência da Justiça brasileira, com metas quantificáveis para a análise de processos, e puniu juízes acusados de corrupção e outros desvios éticos.
Peça-chave nesse processo foi a Corregedoria do Conselho, que, sobretudo a partir da gestão do ministro Gilson Dipp, assumiu um papel ativo na condução de processos disciplinares contra juízes. Até agora, 49 magistrados já sofreram algum tipo de sanção.
Refletindo a insatisfação claramente corporativista de tribunais estaduais, incomodados com os processos conduzidos pela Corregedoria, a Associação dos Magistrados do Brasil entrou com ação para limitar os poderes do CNJ.
Se o pedido for aceito, a Corregedoria só poderá analisar suspeitas depois que estiverem esgotadas todas as instâncias de recursos dentro dos próprios tribunais.
A medida seria um golpe fatal para a eficácia do CNJ, uma vez que os órgãos de controle estaduais, muito mais sujeitos a pressões políticas, poderão protelar "ad infinitum" investigações contra os integrantes dessas cortes.
É o direito, garantido pela Constituição, de tomar a iniciativa em investigações de corrupção que tem permitido à Corregedoria do CNJ uma ação inovadora e moralizadora num dos setores mais resistentes à prestação de contas.
A decisão do STF definirá se o Judiciário vai seguir o rumo da abertura e da intolerância com a corrupção ou se transformará o CNJ em um leão sem dentes, incapaz de cumprir sua função.
Eitorial da Folha de São Paulo de 28/09/2011
Pecadões e pecadilhos
Tentando amaciar a crise no Judiciário, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello classificou de "pecadilho" o fato de a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, dizer que há "bandidos escondidos atrás das togas". Mais diretamente: que há juízes bandidos.
O "pecadilho" aponta para pecadões e para o lado mais dramático de todo esse enredo: o corporativismo do Judiciário, que resiste a conviver com o conselho, criado para investigar a Justiça e os juízes.
Tudo começa com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) da AMB, a Associação dos Magistrados Brasileiros, para que o conselho passe a ser mero ratificador das decisões das corregedorias regionais, onde velhos camaradas se autoinvestigam e o corporativismo pode se embolar com a impunidade.
Assim, a coisa já começou mal e só evolui para pior. Baiana arretada, Eliana Calmon não tem papas na língua e disse o que cidadãos, juízes, ministros do Supremo e principalmente os próprios "escondidos atrás das togas" estão carecas de saber: há juízes bons e juízes ruins. O problema é que a verdade dói.
Doeu nos integrantes do próprio conselho, que classificaram as declarações da ministra-corregedora de "levianas", capazes de atingir todo o Judiciário e todos os juízes de Norte a Sul. E doeu no fígado do presidente do Supremo, Cezar Peluso, que comandou a, digamos assim, reação corporativa.
Segundo Calmon, o Tribunal de Justiça de São Paulo só vai se deixar ser investigado "no dia em que o sargento Garcia prender o Zorro". Pois não é que a origem de Peluso é justamente o TJ-SP?
Com todo o respeito, esse tribunal é sabidamente hermético e os números do CNJ estão do lado da ministra: desde 2005, quando criado, o conselho já condenou 49 juízes. Boa coisa certamente não andavam fazendo escondidos atrás das togas.
De Eliane Cantanhêde na Folha de São Paulo de 29/09/2011
Juízes acima da lei
Tentativas de diminuir o poder de investigação do Conselho Nacional de Justiça conflitam com o espírito que orientou sua criação
Venda de sentenças, atrasos intencionais no andamento de processos, desvio de verbas: casos assim estão longe de constituir a regra geral no Judiciário brasileiro. Seria absurdo, todavia, dizer que inexistem -ou ofender-se, como parece ser a reação de alguns magistrados, quando alguém menciona o que acontece.
Trinta e cinco desembargadores -o cargo mais alto nas magistraturas estaduais- estão sob suspeita de ter cometido irregularidades desse tipo.
Instalado em 2005, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem tido papel determinante para investigar e coibir tais desvios de conduta. Desde sua criação, 25 já foram punidos.
Como seria de esperar, a atuação do CNJ encontra resistências dentro da própria magistratura. Foi assim que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) recorreu ao Supremo Tribunal Federal para limitar os poderes do Conselho.
Defende-se que o CNJ só intervenha depois de esgotados os recursos cabíveis nas instâncias fiscalizatórias estaduais. Não é difícil prever que, com isso, as pressões corporativas das cúpulas locais aumentariam o risco da impunidade e da omissão.
O STF encontra-se dividido sobre o tema, que envolve interpretações diversas da Constituição. Pelo texto em vigor, entretanto, parece claro que os poderes do CNJ predominam sobre as instâncias estaduais -e que foi exatamente no espírito de evitar o corporativismo local que o Congresso lhe conferiu tais prerrogativas.
Segundo a Constituição, o CNJ pode receber diretamente denúncias e reclamações "de qualquer interessado". Pode "receber e conhecer" queixas contra membros e órgãos do Poder Judiciário, "sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais". Pode "avocar", ou seja, reivindicar para seu âmbito, quaisquer processos disciplinares em curso.
O CNJ, vale lembrar, zela apenas pelos processos administrativos. O juiz, como qualquer servidor público, responde por seus atos perante seu empregador, que é o Estado. Pode ser inclusive afastado num processo administrativo, a despeito de ações correlatas que corram no âmbito judicial.
Se há, nos dispositivos que criaram o CNJ, excesso de centralização de poderes, ou qualquer empecilho à atuação de outros órgãos de fiscalização, caberia ao Congresso rever o texto da Constituição.
Mais uma vez, entretanto, a tendência no Supremo é a de sobrepor uma carga interpretativa e regulatória própria ao texto constitucional. Suspensa temporariamente a decisão sobre o recurso da AMB, os ministros procuram chegar a uma solução de compromisso. É de perguntar, entretanto, se há compromisso possível entre as conveniências corporativas dos magistrados, muitas vezes recobertas de suscetibilidades incompatíveis com o ideal de transparência republicana, e as expectativas dos cidadãos -que veem, a despeito dos avanços já conquistados pelo CNJ, ainda muito por ser feito.
Editorial da Folha de São Paulo de 02/10/2011
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