A lei dos descarados
Proposta de lista fechada em eleição proporcional, que ganha apoio no Congresso, é ataque aos direitos do eleitor
A PROVOCAÇÃO é de tal ordem que se chega a suspeitar de algum surto de insanidade coletiva. A simples falta de compostura, o hábito de legislar em causa própria, o desapreço pela opinião pública não são suficientes para explicar as articulações em curso no Congresso a fim de aprovar os dois pontos mais acintosos do projeto de reforma política elaborado pelo governo Lula.
Trata-se de impedir que o eleitor escolha nominalmente seus candidatos a deputado federal, deputado estadual e vereador e ainda exigir que o contribuinte pague pelos gastos da propaganda eleitoral. A proposta de "lista fechada" nas eleições proporcionais e de financiamento público de campanhas, apresentada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, encontra apoio não só de governistas, mas também de amplos setores da oposição.
PT, PMDB, DEM, PPS, PDT e PC do B concordam: a pretexto de proibir doações aos candidatos, o projeto destina mais de R$ 900 milhões, no primeiro turno, e outros R$ 260 milhões, no segundo turno, para que o cidadão seja persuadido, com dinheiro retirado de seu próprio bolso, a respeito das virtudes de quem financiou.
É de duvidar que até mesmo os maiores entusiastas da proposta possam sustentá-la, num debate cara a cara, com qualquer cidadão que, por acaso, os encontre num saguão de aeroporto -ou, quem sabe, no caso dos mais afortunados, num restaurante em Roma ou num shopping center em Miami.
Não contentes com a sequência devastadora de escândalos que atinge o Poder Legislativo brasileiro, pretende-se retirar do eleitor uma das poucas armas que lhe restam para combater os abusos protagonizados pelos seus representantes.
Com a "lista fechada" para cargos proporcionais, o cidadão teria de resignar-se a votar apenas na legenda do partido, cabendo às instâncias partidárias decidir quais os nomes, e em que ordem, serão eleitos. Prevê-se que os atuais deputados, por exemplo, terão lugar já reservado na lista de seus partidos. Pouco importa se acusado de irregularidades e abusos mais evidentes, o candidato à reeleição simplesmente não estará sujeito, individualmente, ao julgamento do eleitor.
No PSDB, onde a lista fechada sofreu resistência por algum tempo, contam-se nos dedos, agora, as figuras que manifestam repúdio à proposta. O PR, com uma bancada relativamente pequena, fechou questão contra o projeto. Há divisões em algumas bancadas; contudo, por não envolver mudança constitucional, a lei pode ser aprovada por maioria simples no Congresso.
E por que não seria? Nada mais conveniente, depois do descalabro ético em que se envolveram tantos parlamentares, dos mais diversos partidos, do que um dispositivo que lhes permita esconder o próprio rosto no momento da eleição. É a lei dos descarados -e uma das piores afrontas às instituições democráticas do país desde que se encerrou o regime militar.
A PROVOCAÇÃO é de tal ordem que se chega a suspeitar de algum surto de insanidade coletiva. A simples falta de compostura, o hábito de legislar em causa própria, o desapreço pela opinião pública não são suficientes para explicar as articulações em curso no Congresso a fim de aprovar os dois pontos mais acintosos do projeto de reforma política elaborado pelo governo Lula.
Trata-se de impedir que o eleitor escolha nominalmente seus candidatos a deputado federal, deputado estadual e vereador e ainda exigir que o contribuinte pague pelos gastos da propaganda eleitoral. A proposta de "lista fechada" nas eleições proporcionais e de financiamento público de campanhas, apresentada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, encontra apoio não só de governistas, mas também de amplos setores da oposição.
PT, PMDB, DEM, PPS, PDT e PC do B concordam: a pretexto de proibir doações aos candidatos, o projeto destina mais de R$ 900 milhões, no primeiro turno, e outros R$ 260 milhões, no segundo turno, para que o cidadão seja persuadido, com dinheiro retirado de seu próprio bolso, a respeito das virtudes de quem financiou.
É de duvidar que até mesmo os maiores entusiastas da proposta possam sustentá-la, num debate cara a cara, com qualquer cidadão que, por acaso, os encontre num saguão de aeroporto -ou, quem sabe, no caso dos mais afortunados, num restaurante em Roma ou num shopping center em Miami.
Não contentes com a sequência devastadora de escândalos que atinge o Poder Legislativo brasileiro, pretende-se retirar do eleitor uma das poucas armas que lhe restam para combater os abusos protagonizados pelos seus representantes.
Com a "lista fechada" para cargos proporcionais, o cidadão teria de resignar-se a votar apenas na legenda do partido, cabendo às instâncias partidárias decidir quais os nomes, e em que ordem, serão eleitos. Prevê-se que os atuais deputados, por exemplo, terão lugar já reservado na lista de seus partidos. Pouco importa se acusado de irregularidades e abusos mais evidentes, o candidato à reeleição simplesmente não estará sujeito, individualmente, ao julgamento do eleitor.
No PSDB, onde a lista fechada sofreu resistência por algum tempo, contam-se nos dedos, agora, as figuras que manifestam repúdio à proposta. O PR, com uma bancada relativamente pequena, fechou questão contra o projeto. Há divisões em algumas bancadas; contudo, por não envolver mudança constitucional, a lei pode ser aprovada por maioria simples no Congresso.
E por que não seria? Nada mais conveniente, depois do descalabro ético em que se envolveram tantos parlamentares, dos mais diversos partidos, do que um dispositivo que lhes permita esconder o próprio rosto no momento da eleição. É a lei dos descarados -e uma das piores afrontas às instituições democráticas do país desde que se encerrou o regime militar.
Editorial da Folha de São Paulo de 07 de maio de 2009
Leia também as postagens anteriores, sobre este assunto
http://amorordemeprogresso.blogspot.com/2009/05/o-golpe-da-reforma-politica.html
Leia o comentário da Lúcia Hippolito no O Globo
A “esperteza” dos deputados federais contra os eleitores e contra a soberania popular, tentando instituindo o voto em listas fechadas (para deputados federais e estaduais e para vereadores), já começou a render frutos.
A maioria esmagadora (ou esmagada?) dos eleitores tomou conhecimento do que seja o voto em lista. Muito bom.
Informação é poder. E os nobres deputados não estavam nem um pouco interessados em que os eleitores tivessem acesso a essas informações.
Estavam prontos para votar mais esta pouca-vergonha. E depois, bom, depois seria o fato consumado.
Mas um bocado de gente se esforçou para estragar a tentativa de golpe dos deputados.
Jornalistas, cientistas e analistas políticos, deputados e senadores que são contra este golpe (sim, eles existem!) passaram os últimos dias explicando, explicando, explicando.
Então, para recolocar os pingos nos iis, vamos lá.
O Brasil pratica um tipo muito peculiar de voto proporcional. Lista aberta (o eleitor escolhe seu candidato), coligações em eleições proporcionais (juntando cobra, jacaré e elefante no mesmo palanque) e um mecanismo inteiramente perverso de distribuição das sobras eleitorais.
Resultado: o eleitor vota num candidato honestíssimo... e seu voto pode servir para eleger um bandido. O eleitor brasileiro não tem a menor idéia de quem foi eleito com o seu voto.
Não custa lembrar: nas eleições de 2006, apenas 39 deputados federais, em todo o Brasil, atingiram o quociente eleitoral de seus estados.
Em outras palavras: apenas 39 deputados federais se elegeram com os próprios votos. Os restantes 474 se elegeram com votos da coligação e das sobras eleitorais.
O atual presidente da Câmara, dep. Michel Temer, por exemplo, foi o último colocado no PMDB. Quase não é eleito, precisou dos votos da coligação e das sobras. Mas hoje é o todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados. Pode?!
O sistema está inteiramente distorcido. A vontade do eleitor é inteiramente desrespeitada. A distância entre o representado e o representante (que não representa mais ninguém, apenas ele mesmo).
O sistema eleitoral brasileiro deixou de reproduzir suas virtudes, reproduz apenas seus defeitos.
A solução seria reconciliar representantes e representados, reaproximar os deputados dos eleitores.
Mas não. Acuados por uma impressionante onda de escândalos sucessivos, suas excelências estão com medo de não serem reeleitos em 2010.
(O Congresso brasileiro apresenta das mais altas taxas de renovação no mundo. Portanto, o mandato dos atuais deputados pode estar correndo sério risco.)
E a resposta aos escândalos, qual é? O voto em lista fechada, para garantir a reeleição! Vejam só!
Vamos lembrar: na lista fechada, o eleitor não vota em um candidato, mas numa lista partidária. É o que conhecemos hoje como voto de legenda.
Se o partido ou a coligação fizerem votos necessários para eleger, digamos, 20 deputados num determinado estado, os 20 primeiros da lista estão eleitos.
Isto significa que acaba a renovação, fortalece-se o poder dos caciques partidários, da turma que controla o aparelho dos partidos. E também dos atuais deputados e vereadores. Adeus, renovação.
Escondidos dentro de uma lista fechada, os deputados podem “se lixar para a opinião pública”, como declarou ontem o deputado Sergio Moraes (PTB-RS). Ele tem razão.
Com o voto em lista fechada, os bons deputados servirão de biombo para todo tipo de meliante que se candidata para ter acesso aos cofres públicos e ao foro privilegiado.
Suas Excelências darão uma banana para a sociedade e farão campanha apenas dentro dos partidos. E o eleitor terá cassado o direito de escolher seu candidato e votar nele.
Como escapar do impasse entre continuar com um sistema eleitoral inteiramente falido e embarcar neste golpe que é a eleição em lista fechada?
Uma proposta que mereceria ser analisada é a do distritão.
O projeto, do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), é bem simples. Para a eleição de deputado federal e estadual, por exemplo, o estado é o distrito. Serão eleitos os mais votados, acabando com votos de coligação e com sobras eleitorais.
No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, são 46 deputados federais. Os 46 mais votados seriam considerados eleitos, independentemente do partido pelo qual se candidataram. Mas seriam eleitos com os próprios votos.
Atualmente, são 70 os deputados estaduais fluminenses. Da mesma forma, os 70 primeiros seriam considerados eleitos.
Mantém-se a proporcionalidade, reaproxima-se o deputado do eleitor e não se impede o eleitor de votar em seu candidato.
Simples, não?
O único problema é que os candidatos teriam que mostrar sua cara, dialogar diretamente com o eleitor e, uma vez eleitos, teriam que andar na linha e prestar contas do exercício do seu mandato.
Como o eleitor saberia perfeitamente quem foi eleito e quem não foi, a cobrança ficaria mais fácil.
Talvez, exatamente por esta transparência e por esta exposição dos políticos diante de seus eleitores, este projeto do distritão não corre o menor risco de ser aprovado.
Uma pena.
Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/luciahippolito/posts/2009/05/07/lista-fechada-golpe-184083.asp
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