Se o governo não garantir a renda dos produtores na colheita, poderá haver brutal inadimplência no campo
ESTAMOS plantando uma safra bem mais cara do que as dos anos anteriores por causa do aumento dos custos de produção, sobretudo dos fertilizantes e dos combustíveis.
Com isso, precisamos de mais reais por hectare no crédito rural. E, com a queda dos depósitos à vista por causa do fim da CPMF (o antigo tributo do cheque) em 1º de janeiro deste ano, a fonte principal do crédito rural diminuiu.
Alem disso, os financiamentos das tradings e das multinacionais, sobretudo para a soja, caíram em razão da crise global, bem como sumiram os créditos para exportação.
Sendo assim, nossos produtores vão plantar uma safra mais cara com menos recursos. E no olho do furacão da crise global.
E ainda há uma enorme incerteza quanto ao resultado da safra daqui a quatro ou cinco meses, porque ninguém pode afirmar quais serão os preços praticados na colheita.
Embora não seja provável, é possível que, se a crise se aprofundar muito mais, os preços caiam, em dólares, lá fora. Se o dólar se mantivesse valorizado, poderia haver uma compensação em reais! Mas também não há a menor garantia dessa valorização.
Tudo somado, pode ser que tenhamos um problema sério: plantio caro e com pouco crédito, preços baixos na colheita. Nesse cenário eventual, embora pouco provável, dois atores precisam se organizar: os agricultores e o governo.
Os agricultores, botando as barbas de molho, cortando despesas, plantando só o que puderem com o crédito rural conseguido, com a melhor tecnologia disponível, para não darem o passo maior do que a perna.
E o governo tem um grande papel a jogar. Já saiu na frente, com agilidade, na questão do crédito rural e também no crédito às exportações.
Agora é preciso que os bancos cuidem da parte deles, fazendo o crédito chegar de fato aos seus tomadores. O Banco do Brasil, do seu lado, aumentou a oferta de crédito.
Mas o maior papel do governo será o de garantir a renda dos produtores na colheita. Se não fizer isso, o possível desastre poderia levar a uma brutal inadimplência no campo, com reflexos muito fortes no futuro, quanto à redução da capacidade de plantio e conseqüentes problemas no abastecimento, na balança comercial e na inflação. Temos um mecanismo para resolver isso, hoje meio desmoralizado: trata-se da Política de Garantia de Preços Mínimos. É hora de ressuscitar esse poderoso instrumento legal, que faz muito sentido em tempos de crise.
Para isso, o governo precisa ter coragem e tomar as atitudes necessárias: em primeiro lugar, rever os atuais preços mínimos, que estão completamente defasados em relação aos novos custos de produção. É fundamental que isso seja anunciado com urgência, para que os agricultores tomem decisões acertadas. E, ainda mais importante, o governo tem de colocar recursos orçamentários à disposição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para ele exercer na plenitude esse instrumento essencial.
O ideal, naturalmente, é que o mercado funcione, com todos os seus mecanismos, onde o hedge ganha papel cada vez mais relevante.
Quando o seguro rural -criado por lei em 2003 e regulamentado em 2004- estiver funcionando para valer, isso tudo estará resolvido.
Mas, em um momento como este, em que o mercado é uma absoluta incerteza, o governo precisa agir com firmeza. E não se trata de salvar agricultores. Trata-se de garantir a estabilidade do país no médio prazo.
Texto de ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula), na Folha de São Paulo de 11/10/08.
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