Chico Whitaker escreve
Entre a desinformação e a insanidade
Preocupa o possível acordo nuclear do Brasil com o Japão. Nossos irmãos japoneses estão em pânico com vazamentos radioativos em Fukushima
No Brasil, quando falamos dos riscos das usinas nucleares, as pessoas nos olham como se fôssemos ETs desgarrados, perguntando-se, quase penalizados, o que nos teria acontecido para abordarmos assunto tão fora de hora e lugar...
E nem foi há tanto tempo que aconteceu o desastre de Fukushima! Mas nosso instinto de autodefesa logo empurra más lembranças para o esquecimento.
Assim é que cada vez menos gente se recorda das 19 gramas de césio-137 que em 1985 foram retiradas, num ferro velho de Goiânia, de um aparelho de radioterapia e mataram, até se descobrir que eram radioativas, dezenas de pessoas e provocaram amputações e doenças diversas em centenas de outras.
Mas por que falar de acidentes de tão pouca probabilidade? O que acontece é que aqueles que têm a sorte (ou o azar) de serem informados um pouco mais (só um pouco já assusta) sobre o que aconteceu em Chernobyl em 1986 e continua a acontecer em Fukushima desde 2011 não podem dormir tranquilos.
Menos ainda quando constatam, de um lado, a desinformação da maioria e, de outro, a insanidade dos que promovem o uso de reatores nucleares para produzir energia elétrica --esse modo extremamente perigoso de esquentar água e produzir vapor para girar turbinas.
Um punhado de brasileiros quer chamar a atenção das autoridades políticas para a tragédia que poderia atingir as mais de 30 milhões de pessoas que vivem no Rio e em São Paulo e suas regiões se acontecer um acidente em Angra dos Reis.
Mas são como vozes que clamam no deserto, enfrentando tanto enormes interesses econômicos nacionais e internacionais que lucram com o nuclear, como interesses militares que ainda sonham com o Brasil Grande, submarinos atômicos e armas nucleares, como se este fosse o preço a pagar --alto demais...-- para o Brasil integrar o seleto clube de detentores de bombas que compõem o Conselho de Segurança da ONU...
Nesse quadro, é triste tomar conhecimento da escandalosa decisão da Caixa Econômica Federal de emprestar dinheiro para a conclusão da terceira usina nuclear de Angra.
O governo brasileiro tinha, para isso, pedido um empréstimo a bancos europeus. Estes exigiram que o Brasil mostrasse que estavam sendo respeitadas as normas de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), respondendo ao questionário da "prova de resistência". Nosso governo não teve condições de fazê-lo, e o empréstimo europeu não saiu. Numa clara demonstração de irresponsabilidade social e autismo político, esse cuidado com a vida de tanta gente pareceu desnecessário à Caixa.
Igualmente preocupante é a possibilidade de a presidente Dilma ir ao Japão assinar um acordo nuclear para trazer tecnologia e equipamentos de lá, quando nossos irmãos japoneses estão entrando em pânico ao não conseguir evitar vazamentos radioativos em Fukushima...
É por isso que cerca de cem entidades civis, japonesas e brasileiras, uniram-se num abaixo-assinado a ser entregue aos governos de seus países como oposição à possível cooperação entre eles nessa área.
Não seria de estranhar que nas próximas manifestações nas ruas do Brasil surgissem cartazes com as palavras "Pela Vida: Xô Nuclear!".
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