Eram só retórica. O Brasil barra vistos, não tira o país irmão do sufoco com suas reservas. E não é melhor vender estatais lusas a grupos do Brasil, não da China?
As relações luso-brasileiras atravessaram nos últimos anos uma fase em que não se sentiram grandes amuos e, ainda menos, atritos entre as duas chancelarias, como aconteceu no crepúsculo da política ultramarina portuguesa, quando o Brasil se distanciou das posições de Lisboa, ou no final da década de 1990, com a imigração de brasileiros e as confusões criadas nos aeroportos.
Nesse mesmo período, pouco de especial e de relevante aconteceu para enriquecer o relacionamento entre os dois países, tão intimamente ligados pela história e pela língua.
Desde sempre foram ouvidas críticas à falta de pragmatismo e à retórica apologética que dourava as relações luso-brasileiras. Fazíamos juras de amizade recíproca, nos parlamentos e nas academias, nas festas nacionais e nas visitas dos mandatários da nação, mas o comércio bilateral estava limitado aos chamados "produtos de sobremesa" e a pouco mais, não passando de alguns milhões de dólares por ano.
Aprovavam-se estatutos de igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses, mas na prática cidadãos não tiravam proveito desse benefício. Abria-se mão das consoantes mudas na escrita para consagrar os acertos da ortografia, mas as divergências persistiam.
Alimentou-se a ideia de que, de um lado, a entrada de Portugal na União Europeia e, do outro, a liderança do Brasil na construção do Mercosul poderiam ampliar a extensão dos negócios nos espaços continentais por parte dos dois países.
Dessas boas intenções, pouco resultou: o Brasil continuou a entrar na Europa pelos próprios pés, como preconizava um antigo chanceler, e Portugal não contou com o endosso da diplomacia brasileira para usufruir de quaisquer facilidades dos parceiros sul-americanos.
Isso quer dizer que, não obstante haver constantes manifestações de vontade política deste e do outro lado do Atlântico, intercaladas por alguns ressentimentos e recalques ideológicos de certos quadrantes intelectuais e políticos de ambos os países, os governos encontraram sempre dificuldades em transformar os sentimentos e as aproximações que permeiam a amizade luso-brasileira em resultados práticos.
O Brasil tem reservas cambiais superiores a US$ 300 bilhões e poderia ajudar Portugal na reestruturação da dívida soberana aliviando o custo e o sufoco do país irmão. Poderia fazê-lo, mas não o faz.
Portugal, por seu turno, poderia, nesta quadra de apertos, em vez de vender grandes empresas das quais o Estado participa a grupos chineses, negociar previamente com o Brasil a alienação desses ativos. Poderia fazê-lo, mas também não o faz.
Enquanto isso, milhares de técnicos e de profissionais de primeira linha querem emigrar para o Brasil e esbarram nas exigências do Ministério da Justiça para obterem um visto de permanência no país.
E há milhares de brasileiros, descendentes de portugueses, a requerer a dupla nacionalidade -e temos a esperança de que não o façam apenas para terem um passaporte da União Europeia, a fim de facilitar a sua circulação no continente, mas que o façam para ficarem sempre ligados à terra e à gente portuguesas. A emissão desses passaportes nem sempre é facilitada.
Continuamos os mesmos.
Da Folha de São Paulo de 09/08/2012
Texto de ANTONIO GOMES DA COSTA, 78, presidente da Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras e do Real Gabinete Português de Leitura do RJ
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