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sábado, 14 de janeiro de 2012

A grita de Marco Aurélio e o eco pelos R$ 856 milhões movimentados por juízes

Com apoio em verificações do órgão de inteligência financeira do governo federal que atende pela sigla Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, soube de movimentações atípicas no valor de R$ 856 milhões,  no período de 2000 a 2010,  realizadas por magistrados e serventuários do Judiciário.
Em 2008, dois integrantes da Justiça Militar de São Paulo e um do Tribunal de Justiça de São Paulo, movimentaram R$ 116,5 milhões.
Os fatos foram revelados na edição de hoje do jornal Folha de S.Paulo.  Sobre a Justiça Militar, até os vestibulandos em Direito sabem, apesar da previsão Constitucional, tratar-se de uma instituição com passado muito conhecido durante a ditadura  e nenhum futuro que justifique a necessidade de sua manutenção.
Nesta semana soube-se, por matéria assinada pelo jornalista e repórter especial  Frederico Vasconcelos, que um ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo era credor de R$ 1,5 milhão e o embolsou de uma só vez. Pior, tudo graças a um requerimento por ele feito na condição de desembargador e despachado, por ele próprio e favoravelmente, na condição de presidente do Tribunal.
Na história da Justiça paulista nunca se soube de um caso teratológico similar, em que o postulante-requerente e a autoridade-requerida eram a mesma pessoa. Nos mundos da deontologia (ética) e do  processo, quer administrativo quer jurisdicional, existe uma situação de impedimento inobservada no caso. Espera-se que tal decisão do ex-presidente Roberto Vallim Bellocchi não vire jurisprudência.
Graças a uma liminar, concedida pelo ministro Ricardo Lewandowsky, todas as apurações correcionais (fiscalizatórias) do CNJ na Justiça paulista estão proibidas. Lewandowsky é ministro  do Supremo Tribunal Federal (STF) e já integrou pela classe dos advogados pelo critério do quinto constitucional  o Tribunal de Justiça.
Em maior espectro, o ministro Marco Aurélio Mello, escolhido para o STF  por meio de nepotismo praticado pelo então presidente Fernando Collor de Mello, proibiu, por liminar dada no apagar das luzes do ano judiciário de 2011, as fiscalizações do CNJ em todo o  Judiciário.
As duas liminares foram obtidas pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), que continua a contestar a legitimidade das ações do CNJ em geral e a determinação ao Coaf em particular.
De observar que o Coaf, órgão de inteligência financeira, tem, por lei em vigor desde 1998,  o dever de vigilância, assim como os bancos, e informar às autoridades movimentações financeiras fora do padrão. Portanto, operações suspeitas que precisam ser verificadas por órgão competente.  Exemplo: Alfonso Caruana, residente no Canadá e dado como maior traficante do mundo no final dos anos 90, informava às autoridades fiscais que recebia salário mínimo como empregado de uma empresa de lavagem de automóveis (car wash). O modesto e falso empregado, como levantado pelas autoridades financeiras do Canadá,  movimentava milhões nos bancos e era proprietário de mais de 10 gigantescos prédios de apartamentos e escritórios localizados em grandes centros urbanos canadenses. Só para lembrar, Alfonso sempre passava férias no Rio de Janeiro, na casa do tio Giuseppe Caruana (já falecido), condenado na Itália definitivamente por associação à Máfia.
Como a nossa Constituição adota o princípio fundamental de que todos são iguais perante a lei, ninguém está fora da vigilância do Coaf. E não há necessidade, ao contrário do entendimento corporativo do ministro Marco Aurélio, de autorização judicial para o Coaf vigiar juízes. Isto porque o Coaf não é órgão de investigação criminal. Ele só aponta movimentações atípicas, que podem ser lícitas (recebimento de herança ou prêmio de loteria) ou ilícitas (venda de sentenças e liminares).
O Coaf, pelo que se tem notícia,  examinou a movimentação financeira de 217 mil funcionários públicos judiciários, incluídos magistrados. Parêntese: juízes são funcionários públicos em sentido amplo e são funcionários do Poder Judiciário, em sentido estrito. Das verificações, o Coaf apontou para 3.400 casos de movimentação fora do padrão habitual. Em síntese, 3.400 servidores públicos que podem, por exemplo, ter ganhado na loteria, recebido heranças, verba de precatório desapropriatório ou vendido decisões, liminares ou de mérito. O ministro Paulo Medina, ex-presidente da AMB, foi afastado das funções, sem prejuízo de vencimentos e vantagens, por vender liminares. No caso, não foi o Coaf, mas o CNJ que apurou por conta própria.
Para Marco Aurélio, cabe às corregedorias estaduais e federais dos tribunais a exclusividade nas investigações, por força do princípio federativo.  Só que ele despreza o fato de o CNJ ter nascido em razão da impunidade consagrada nas corregedorias. Mais, o CNJ, pela Constituição, é órgão do Judiciário. Tem poder autônomo para investigar. No sistema federativo, admite-se órgão nacional  que se sobrepõe aos estaduais, mas Marco Aurélio ainda não percebeu.
Pano Rápido. Marco Aurélio, no curso de sua trajetória no STF, teve teses vencidas em questões constitucionais. Mais especificamente ficou vencido em 73% dos casos julgados pelo STF. A respeito da falta de poder correcional autônomo do CNJ, que representa a canhestra e socialmente prejudicial tese do ministro Marco Aurélio, espera-se, em proveito da democracia e da sociedade, que seja vencido mais uma vez.
De Wálter Fanganiello Maierovitch no blog SEM FRONTEIRAS

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